Contos de Bárbara
Lisboa, 1 de novembro de 1755. A terra está a tremer. Ondas gigantes entraram pela cidade dentro e arrasaram prédios, casas, ruas, quintais e ceifaram vidas de velhos, novos e crianças. Tudo cheira a destruição.
Uma criança pequena e franzina chama pelos pais entre os escombros. Pessoas correm e gritam e fogem sem saber para onde. O fim do mundo chegou. Pelo menos o fim de Lisboa, tal como a conhecemos.
Uma mãe grita e desfalece a chamar pela filha perdida entre os escombros. Vai caminhando apoiada ao marido, que a ampara enquanto o seu chamamento é o eco da voz fraca da mulher.
Os corpos amontoam-se. Contam-se os vivos e tratam-se os feridos.
A menina assustada corre entre a multidão e encontra uma mão esquecida da mulher que, finalmente, encontrou a filha sem vida porque uma árvore lha levou.
Os pais da menina estão perto. Os olhos parados. O rosto sem cor.
A criança nunca tinha visto a morte. Sente medo e agarra a mão esquecida da mulher que está ao seu lado, de pé, e diz-lhe:
– Já não tenho pais!
Uma onda de calor acorda a mulher de olhar perdido, que lhe responde, baixinho:
– Acabo de perder uma filha e ganhar outra.
O marido compreende o gesto e as palavras.
Se do caos nasce a luz, dos escombros pode nascer uma flor de esperança.
Afastam-se os três. Já não é hora de chorar os mortos. É hora de cuidar da flor.
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