Estar privado de liberdade a cumprir uma pena, não é mais que isso: é estar em privação de liberdade!
A Constituição Portuguesa consagra, no seguimento de regras internacionalmente aceites como civilizadas, no que se refere ao tratamento de reclusos, que por um lado, “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”. Por outro lado, dispõe que os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade, mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvo as estritas limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução.
Se todos os cidadãos se consciencializassem que qualquer pessoa pode vir a sofrer uma reclusão, talvez a matéria da execução de penas merecesse outra atenção por parte da doutrina do direito e da jurisprudência superior, em particular.
O chamado Código de Execução de Penas e Medidas de Segurança e respetivo Regulamento, deixa algumas matérias ao critério de entidades administrativas matérias que deveriam passar pelo crivo da justiça, por estarmos face a matérias que podem ser consideradas como regras respeitantes a direitos fundamentais, em nosso parecer.
A agravar esta omissão, em regra, as entidades administrativas que decidem tais questões sentem-se numa posição de discricionariedade absoluta para decidir essas questões, e não raro decidem sem qualquer fundamentação, matérias que por não serem judicialmente sindicáveis, consideram pertencer exclusivamente ao seu juízo e critério.
Poderia aqui chamar a esta ponderação várias matérias, mas não caberiam todas neste espaço não técnico por natureza.
Sendo assim, vou reportar-me a uma dessas questões que tem muito impacto quer na vida dos reclusos, quer das famílias.
Vejamos, os processos disciplinares a reclusos.
Quer o Código de Execução de Penas e Medidas de Segurança e respetivo Regulamento dispõem em que circunstâncias um recluso pode ser disciplinado. Contudo observamos muitas vezes que são impostos aos reclusos processos disciplinares, sem nenhuma fundamentação de facto e de direito.
Ora no nosso ordenamento jurídico, todo o ato administrativo deve ser fundamentado.
Essa fundamentação não deve ser uma qualquer fundamentação, mas deve conter os motivos de facto e as normas jurídicas necessários a que o recluso compreenda claramente porque está a ser objeto de um processo disciplinar e será eventualmente disciplinado com uma sanção.
Temos para nós que a omissão a esta fundamentação constitui um abuso de autoridade.
É que para além da Lei interna, dispõe o Conselho da Europa, designadamente na sua Recomendação (Rec 2006) sobre as regras penitenciárias europeias, no seu nº 56.1 “que o processo disciplinar deve constituir meio de último recurso” e no nº 57.1 refere “Só o comportamento suscetível de pôr em perigo a ordem e a segurança pode ser considerado infração disciplinar“.
Ora, não é isto que vemos na nossa prática. Pelo contrário, atos como a apresentação a um formador de arte de um desenho nude, ou como a posse na cela de um tubo de cola e outras que em nada condicionam nem a ordem, nem a segurança do Estabelecimento, já deram lugar a processos disciplinares.
Com a agravante de os reclusos confidenciam por vezes aos advogados que a administração prisional considera que só “vai atrapalhar o processo” o facto do recluso, como é seu direito, comparecer acompanhado de advogado.
Só os processos disciplinares que terminam com dias de isolamento em cela de castigo, são passíveis de recurso de impugnação para o Tribunal de Execução de Penas.
De resto, desde a mera repreensão, a todas as outras, como transferência de ala ou estabelecimento, como a suspensão do trabalho, a outras mais gravosas, como o regime em que o recluso cumpria pena, não são sindicáveis judicialmente, caindo numa discricionariedade técnica da autoridade administrativa (o/a diretor/a) do Estabelecimento Prisional, que facilmente esquece a obrigatoriedade de fundamentação da sanção.
A sanção aplicada a um recluso, por entidade administrativa, é um ato administrativo, suscetível de recurso hierárquico para a entidade superior administrativa, embora a maioria dos Estabelecimentos Prisionais entendam que estão fora desse regime e até em alguns casos a própria Direção Geral dos Serviços Prisionais.
No rigor do direito aplicável a estas situações, parece-me evidente que o superior hierárquico do(a) diretor(a) de um Estabelecimento Prisional, tem competência hierárquica para manter, alterar ou revogar o ato sancionatório.
Tento mais que não raro, fazem-se processos disciplinares e aplicam-se sanções a reclusos que têm próxima a data da revisão da sua situação prisional, com a apreciação da sua libertação condicional.
Ora uma sanção administrativa condiciona sempre essa apreciação.
E como se diz da mulher de César que não lhe basta ser séria, é preciso que pareça séria, também das administrações prisionais se pode dizer o mesmo.
Em conclusão, desde o início do processo à aplicação da sanção existe o dever jurídico de fundamentação, direito de defesa e direito a recurso hierárquico administrativo, quando se trate de sanções não sindicáveis judicialmente, aplicadas simplesmente ao critério do diretor(a) de um Estabelecimento Prisional.
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