Escaparate
Refletindo um pouco acerca da música que enlevou algumas regiões do nosso planeta em tempos idos, vêm-me à memória diversos e inauditos temas, entre eles os do período medieval e renascentista, aquando do surgimento da monodia, no século VII.
Embora sejam conhecidos, pelos investigadores mais abalizados, determinados cantos eclesiásticos, com melodias simples, criadas nos séculos III e IV e alicerçados nos recitativos da liturgia das primas gerações de cristãos (uma cantilação dos Salmos), que medraram através de distintas liturgias galicianas, moçarábicas, aquilenenses, beneventanas, ambrosianas e romanas, foi devido ao entrelaçamento do epinício romano antigo com a ária galiciana que surge o canto gregoriano, fixado por São Gregório Magno (540-604) numa coletânea de peças publicadas em dois livros, o Antifonário (somatório de melodias concernentes às Horas Canónicas) e o Gradual Romano (retendo os cantos da Santa Missa). Foi, também, esse antigo Papa que deu início à Schola Cantorum, responsável pela enorme expansão do canto gregoriano naquele período.
Com o passar dos séculos, e já no correr do XII, surge a Escola de Notre Dame, em Paris, local onde despontam as formas polifónicas, que nada mais são do que as urdiduras de diversas melodias. É de notar que o grande nome desse género foi o compositor e mestre de capela Pérotin (1160-1236), um exímio no estilo Órganon. Genuinamente, com o melhoramento técnico dos instrumentos musicais, um sem-número de instâncias litúrgicas e o irromper de uma melhor condição de oferta e procura orientada pela nobreza feudal e pela burguesia mercante das metrópoles, nortearam a propagação da polifonia, com relevantes tributos de Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594), Guillaume Du Fay (1397-1474) e Guillaume de Machaut (1300-1377).
No seguimento do tempo que passa, vamos desaguar no Barroco, um estilo fulgente em estreita relação com as artes plásticas. Para o comprovar, basta conferir a devoção ao ornamento, ao arabesco, cujas notas musicais adornam as melodias. Efetuando uma viagem desde Cláudio Giovanni António Monteverdi (1567-1643) a Johann Sebastian Bach (1685-1750) entontecemos os nossos sentidos, decifrando a exuberância dos sons em sincronismo, como via para atingir o sublime, tendo como sustentáculo instrumentos que se alternam em explanação melódica, sendo o cravo (baixo contínuo) um dos principais apoios. O que se nos apresenta, sustendo a polifonia, é o estilo tonal, onde sobressaem sonatas para teclado, cantatas e oratórios.
Devo evidenciar aqui, devido à sua importância histórica, a excelente publicação Le Nuove Musiche (1601), uma coletânea de monodias e canções para voz solo e baixo contínuo, de autoria de Giulio Caccini (1551-1618), que reúne alguma dessa produção de qualidade.
Dirigindo-me para terras menos férteis no quesito musical medieval e renascentista, mas não menos importantes: D. Dinis I, o Lavrador (1261-1325) ficou na história não apenas como Rei de Portugal e do Algarve (1279 a 1325), mas também por ser um afamado trovador e cultor das cantigas d’amigo (em galego-português) e da sátira, sendo um grande impulsionador do desenvolvimento da poesia trovadoresca na Península Ibérica. A sua vocação cultural foi herdada de seu avô, Afonso X (1221-1284), Rei de Castela e Leão (1252 a 1284) e de seu pai, Afonso III (1210-1279), Rei de Portugal e do Algarve (1248 a 1279).
É muito natural que o Canto do Cavaleiro, ou trovadorismo, que era a música popular da Idade Média, tenha, sob “patrocínio” de D. Dinis de Portugal, sido usual, em forma de Cantiga (ou através da passagem de bardos, acompanhados por alaúdes, liras, crwth’s (lira curvada), harpas, etc., e que jornadeavam pela Europa, convertendo em música tudo aquilo que presenciavam) nas vielas e casebres de Óbidos, no século XII, porém, somente os velhos pergaminhos, códices, miscelâneas, etc., existentes nos arquivos da Torre do Tombo, em diversos fundos documentais, o poderão comprovar.
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