Escaparate
A investigação cuidada traz-nos sempre boas-novas e inúmeras curiosidades. Recentemente, em renomado arquivo brasileiro, encontrei uma singular informação acerca da água termal de Caldas da Rainha, substância muito desejada, nos idos do século XIX, em terras de Vera Cruz.
A afamada água – de mineralização hipersalina, composição iónica sulfúrea, cloretada sódica, com reconhecidas capacidades curativas, especialmente para as vias respiratórias, para as questões reumáticas e músculo-esqueléticas – era comercializada em boticas nos mais variados recantos daquele país.
Para que a população se dirigisse ao boticário para a adquirir, inúmeros anúncios – como este datado de 1821 – eram veiculados na imprensa local:
“Rua Direita, Botica de José Luiz Mendes e Comp. Nº 118; se vende o verdadeiro Rob antissifilítico com jornal para o uso, pelo módico preço de 6.400 réis a botelha, assim como se continua a vender água das Caldas da Rainha com privilégio a 200 réis o frasquito.”
O citado estabelecimento ficava situado defronte da Capela do Carmo, no Rio de Janeiro, e havia recebido autorização específica para tal venda, como se pode ver em outra publicação:
“…13 de Julho de 1820 (…) Tendo Sua Majestade EL-REI Nosso Senhor, Concedido a José Luiz Mendes, e Comp., o privilégio exclusivo por tempo de 10 anos por Decreto de 7 de Março, para que só eles possam mandar vir, e vender água das Caldas da Rainha…”.
Evidentemente, devido ao “jeitinho” do português para vender a retalho (em referência à atividade que se realiza a retalhe, ou seja, à unidade), esse “privilégio exclusivo” era encarado pelos portugueses (desobediência nata) como pura conversa, constando “entredentes” que os bons lusitanos não obedeciam a nenhum Decreto (provavelmente, a água também não era originária das Termas de Caldas da Rainha, sendo captada em estâncias locais, que, segundo a História da Hidrologia Médica Brasileira, eram já bem conhecidas em meados do século XIX).
Essa negação de exclusividade acerca de quem a poderia comercializar está patente em outra publicação, desta feita no Estado do Maranhão:
“Na botica de José do Carmo Figueiredo, na rua (ilegível), se acha à venda, Água das Caldas da Rainha, recentemente chegada na Galera Pombinha, esta água é própria para curar debilidades do estômago, e tem gozado grande crédito no Brasil.”
Se o bom líquido era originário do solo caldense não sabemos, não há como o comprovar. Seguindo o pensamento de Eric Hoffer (1902-1983) isso seria o menos importante pois “um certo grau de charlatanismo é indispensável à liderança efetiva”.
A história conta-nos que o provável início da aplicação curativa das águas termais de Caldas da Rainha remonta ao século XV, porém, a sua utilização, em bacias naturais no solo, pode ser de conhecimento popular muito anterior a esse período, afinal, o uso da água mineral natural, em alguns pontos do planeta, remonta a 50.000 anos, ou seja, à idade do Bronze.
Atualmente, as termas de Caldas da Rainha são uma sombra daquilo que foram. Enquanto inúmeros recantos planetários investem em hidrologia médica e na recuperação de fontes antiquíssimas, a novela termal caldense estende-se ao sabor de campanhas políticas ocas e insalubres.
Se Santo Amaro (o protetor da água) existe de facto, coitado, quanto trabalho deve ter para manter vivas as riquíssimas fontes termais caldenses. Já imaginaram se um dia esse virtuoso se farta?
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