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Escaparate

O alforge da passageira

Rui Calisto

EXCLUSIVO

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O local estava silencioso, como silente se encontrava o entorno. Um pássaro e um farfalhar de ramagem quebrara a monotonia. Não sei se do verso que lia, se do sorriso que despontara, vindo de um tímido sol. Senti um aconchego na alma. Lembrei-me de minha infância, passada entre os grãos de uma areia quente e sedosa, onde leve era a constância dos pensamentos e doce o paladar que saboreava os quitutes. Tudo era poesia. A idade assim o permitia. E melhorava quando a água do mar se aproximava e obrigava-me a um encantamento que só via em livros de aventuras, daqueles com grandes heróis de capa e espada.

Esta manhã admirei o espaço envolvente – muito diferente, e distante, da minha praia -, e agora o que vejo são verdes

espécimes, cortadas, na maioria das vezes, sem nenhum pudor. Escalvadas por completo, tendo a nu as suas fragilidades. Há

um lago também, pouco cristalino e trôpego em imagens, se não fosse um pato ou um ganso cortarem as águas de vez em

quando, imaginar-se-ia por ali apenas algumas pulgas de água (os entendidos dizem que são dáfnias), seres que, mesmo

ínfimos, causam leves incómodos ao ecossistema local.

Sinto falta de arvoredo de abundantes cores, daqueles que encontramos em países distantes, e onde são tratados como

deuses na Terra.

Imagino este local onde estou agora repleto de flamboyants, com copas largas, e flores vermelhas espampanantes, idênticos

aos que costumava contemplar, plenamente extasiado, na Ilha de Paquetá, na Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro.

Será que cada um que me lê já encontrou o seu lugar de sonho? Tive essa sorte. E é exatamente ali que quero passar os

meus últimos anos, admirando o deslumbre colorido de uma natureza feliz, um oceano borbulhante que saltita e ruge, acalenta

e assusta, conforme o seu estado de espírito.

De repente, sou despertado por um qualquer grasnar, lembro-me de onde estou, deixo o sonho cair por terra e arremeto os

olhos de relance, procurando um aconchego que me faça acreditar que este parque que tenho diante de mim é, de facto,

diferente, especial.

Infelizmente não consigo sentir alegria. Vejo edifícios antigos em ruínas (dizem que um dia será um hotel), alamedas sujas,

pessoas que passam cabisbaixas, destilando uma tristeza interior que faz eco: Um silêncio atordoador, daqueles que podem

gerir um temporal. Não sou o único, afinal, que está deslocado. Aquelas almas pululam entre infortúnios. Será que alguma

delas, um dia, encontrou um lugar de sonho?

O meu avô paterno sussurrava-me inúmeras vezes: “Devemos fazer o nosso ninho onde existir sortimento suficiente para que

as crias não sintam frio nem fome. Um local onde o sonho pereça depois do corpo. Não te demores onde não sentires que és

feliz.”

Continuo a caminhar por entre escombros, vestígios de almas perdidas e quimeras arrancadas, a frio, sem dó. Mais homens e

mulheres passam por mim, não interagem, não erguem o olhar para o céu, não buscam o agasalho que, supostamente, a

natureza envolvente pode oferecer. Estarão mortos?

De olhar mediano, admirando timidamente o que me envolve, vou deixando os pés levarem-me para diante. Paro a poucos

metros do coreto. Insalubre. Insosso. Adornado com cores frias e adereços pobres. De repente, uma voz conhecida atira o meu

nome pelo ar. A amiga que não via há meses, que andara acabrunhada por causa da vida de artista falida que ostentava,

estava diante de mim. Depois do abraço da saudade, reparo no alforge que pousara no chão. Com o olhar mareado diz-me um

“obrigado por tudo” e mostra-me uma passagem, só de ida, para o seu lugar de sonho. É isso: “Não te demores onde não

sentires que és feliz.”

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