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O cachorrinho da caixa de sapatos

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Sinto um grande vazio, enquanto um senhor te mete dentro de uma caixa que te transportará para longe de nós e do jardim, que sempre foi a tua casa.

A vida é um lugar estranho.

Parece-me que foi há pouco tempo que te trouxemos para casa, numa caixa de sapatos de criança. Eras tão pequenino que cabias numa caixa para um pezinho de cinco anos. Tremias tanto… Era uma aventura enorme para um cachorrinho tão pequeno.

Quero dizer alguma coisa, mas não consigo. As palavras morrem-me na garganta e as lágrimas caem, livres, soltas.

Enquanto o senhor procura uma etiqueta para pôr na caixa, passam-me imagens na tela do coração: o dia em que te atreveste a subir todos os degraus de casa e, depois de fazeres uma asneira, te escondeste debaixo da minha cama, para fugir à vassoura, que, sem saberes o que era, adivinhavas que não era coisa boa; ou aquele outro em que desfizeste um tapete e me apareceste, muito contente, com pedaços na boca…

De repente, sinto-me a sorrir. Olho-te e vejo a expressão serena com que pareces estar a dormir. A dormir para sempre com um ar feliz.

Eras o cachorrinho mais gordinho da ninhada e o único que era branco. Todos os cachorrinhos que estavam naquele caixote de cartão eram lindos, mas uns ganiam, outros choravam. Só tu parecias estar sereno. O dono disse-me para eu escolher, eu preferi que fosse o António a fazê-lo e, tal como eu pensava, ele pegou-te ao colo com todo o cuidado e tu abriste um olho e, logo, continuaste a dormir. A escolha estava feita: tu tinhas escolhido o teu dono e o António tinha escolhido o mais fiel de todos os amigos. A mim pareceu-me que ia ter um menino e um bebé em casa e, de facto não me enganei.

Precisavas de um nome. O teu novo amigo escolheu: Bóbi – mas também precisavas de um apelido. Como eras o único branquinho numa ninhada de labradores arraçados de pastor serra da estrela, o apelido era óbvio: Branquinho. Bóbi Branquinho, o mais novo membro da família e também o mais trapalhão, com medo de aspiradores, secadores e foguetes, a esconder o focinho entre o meu cabelo e o meu pescoço, sempre que sentias medo.

O António era um menino de cinco anos a crescer, enquanto tu também ias crescendo. A conquista era mútua. Apesar das tuas travessuras, eu gostei de ti desde o primeiro minuto em que te vi: não porque não fosses o mais lindo da ninhada, até porque eras, mas porque eras o único que não gania e não chorava. O teu maior desafio era ganhar o amor do António-pai. Sim, até porque trazer um cachorrinho para casa não tinha sido da sua vontade. Ainda guardava a mágoa de ter perdido um companheiro fiel que tinha ficado pelo caminho.

Pouco a pouco foste conquistando o teu lugar no seu coração. Devagarinho, foste mostrando que não tinhas vindo substituir ninguém. Só querias que ele também fosse teu amigo e tu querias mostrar-lhe o quanto gostavas dele.

O tempo foi passando entre as tuas travessuras e os meus ralhetes. Acho que sempre soubeste que não eram a sério, pois em vez de te encolheres, abanavas o rabo e ficavas à espera que eu me calasse e te desse uma festinha. Para isso, não são precisas palavras.

Desde o dia em que chegaste, até hoje, passaram onze anos.

Não sei se te ensinei alguma coisa. Tenho a certeza de que aprendi muito contigo: para acompanhar a dor de alguém, não é preciso saber falar, ou dizer coisas bonitas. É preciso, apenas, estar presente. Tu soubeste sempre estar presente e até parecias adivinhar o que eu sentia. Depressa me habituei a essa amizade que não pede nada em troca, em que a melhor linguagem é mostrar o que se sente… Simples, não é? Os humanos complicam muito…

Ocorre-me uma musiquinha que o António costumava cantar, já não me lembro desde quando, em estilo rap… “Eu estou aqui/ Para dizer que tenho um Bóbi/ Yô”; lá fora, tu abanavas a cauda, como quem entende a mensagem.

Chegaste numa caixa e vais partir numa caixa.

Já não tremes. Já não tens medo. Viveste e foste feliz, partilhaste a tua felicidade e deixas-nos essas recordações.

Vais voltar. É esse o meu único consolo. Todos somos pó e ao pó havemos de tornar. Só que do teu pó vai crescer uma oliveira pequenina, que também há de precisar da minha atenção e que vai crescer e terá o teu nome. Não sei se é costume dar um nome a cada árvore. No nosso jardim, as árvores não têm nome, mas esta vai ter.

E então cachorrinho da caixa de sapatos? Preparado para a nova aventura?

Afinal, não vamos dizer adeus.

Tu vais voltar à vida, esse lugar tão estranho. Não numa caixinha de sapatos, mas num vaso, na forma de uma oliveirinha. Vais crescer e vais dar frutos no teu jardim, no nosso jardim.

Nunca mais vais tremer.

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