Bizâncio esteve sempre entre o cristianismo e o islão.
O imperador Constantino reedificou Bizâncio, após a destruição provocada pela guerra civil do final do século II, que opôs Pescénio Níger a Septímio Severo. Em 330, tornou-a capital do Império e chamou-lhe Nova Roma. Mas, em honra de Constantino, Bizâncio passou a chamar-se Constantinopla.
O Império Romano do Oriente, ou Império Bizantino, distingue-se do Império do Ocidente pela cultura grega em detrimento da cultura latina, e pelo cristianismo ortodoxo em vez do politeísmo romano. Constantinopla passou a chamar-se Istambul, depois da conquista pelos turcos otomanos, em 1453, facto que assinala a queda do Império Romano do Oriente e o fim da Idade Média.
Na época de Justiniano I, de 527 a 565, Constantinopla e a sua corte protagonizaram certo esplendor político e cultural. Esta cultura bizantina resultou de influências helenísticas, judaicas, cristãs ortodoxas e de outras provenientes do Egipto, Síria e Pérsia.
A igreja Hagia Sophia — transliteração do grego, que significa Sagrada Sabedoria — construída entre 532 e 537, segundo projecto dos gregos Isidoro de Mileto e Artémio de Trales, é o exemplo mais notável desse amalgama cultural. Foi templo cristão ortodoxo, desde a sua construção até 1204; templo católico, entre 1204 e 1261; novamente templo cristão ortodoxo, entre 1261 e 1453; templo islâmico, entre 1453 e 1931; e museu secular, desde 1931 até 10 de Julho de 2020, quando o Presidente Erdogan determinou a reclassificação da Sagrada Sabedoria como mesquita.
Das três religiões abraâmicas monoteístas, o islão, a fim de evitar a idolatria, é a mais radical na observância do aniconismo. A decoração dos templos muçulmanos restringe-se a elementos geométricos e epigráficos. Os inigualáveis mosaicos bizantinos, em que avulta a imagem de Cristo Pantocrator, além da Virgem, diversos santos e imperadores, que decoram os intradorsos da fabulosa cúpula e semicúpulas, pendentes e pavimento, assim como outros pormenores da história cristã disseminados pelo edifício, serão novamente tapados com gesso, se não forem simplesmente destruídos.
Em 1985, a UNESCO classificou este edifício como Património Mundial, distinção que a Turquia aceitou, comprometendo-se a garantir que nenhuma modificação seria feita ao seu valor universal excepcional. Hagia Sophia é do mundo e o mundo necessita deste extraordinário legado da cultura bizantina. Precisará na mesma medida Istambul de mais uma mesquita, a somar às 3500 existentes? A motivação compõe-se de chauvinismo religioso e nacionalismo de extrema-direita. Com esta decisão, Erdogan faz uma afirmação política antiocidental e afasta ainda mais a Turquia da Europa, depois da UE ter sucessivamente recusado a sua integração, e contraria o laicismo de Kemal Atatürk, que determinou, em 1931, a conversão da mesquita em museu, permitindo, até agora, a coexistência ecuménica de imagens cristãs e epígrafes islâmicas.
0 Comentários