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Escaparate

O ninho de pintassilgo

Rui Calisto

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Existiu um tempo em que a pacatez e a modorra eram irmãs nos caminhos. Somente quando um carro de bois passava, por sobre as pedras das ruas e vielas, é que se notava o ruído que amolecia o sentir. No mais, eram ternuras.
Rui Calisto

Francisco Calisto, meu bisavô paterno, de enxada ao ombro, montado no seu muar, quando saía de casa, a caminho do seu rincão querido – onde passava o dia a acastelar sonhos e a frutificar devaneios – observava tudo o que o rodeava, emocionado, por ter o sol, ou a chuva, a mistificarem a sua existência. Cavalgar, lenta e harmoniosamente, até às suas terras, dava-lhe um tempo de conspecto longo e gratificante.

Esse homem, que conhecia todas as plantas do caminho, identificando-as uma a uma, tinha por elas um acentuado amor. Nasceu para vivificar a terra, e para a ver frutificar. Era uma época em que os sons se sobrepunham aos ruídos. Logo, beatificamente, era possível perceber os passarinhos que sobrevoavam os percursos, em bandos tão grandes que mais pareciam nuvens. Os campos estavam cobertos de ninhos, a passarada cantava alegremente, nos dias em que a natureza o pedia, e sossegavam quando a ordem era aquietar. Sim, porque nem só de luz e de sorrisos era feita a vida, de vez em quando as trevas caíam por sobre os horizontes.

Um dia, numa dessas manhãs, quando o sol ainda estava a espreitar, Francisco, com o seu muar, a sua enxada, e o seu assobio de bons dias, pressentiu um revoar diferente por sobre os lados das suas terras. Havia uma luz que não conhecia, e bandos diferentes, que bailavam ao som das suas próprias penas.

Ao aproximar-se da entrada, passando por baixo do arco de volta perfeita em pedra, reparou no vistoso pinheiro-manso que com ele convivia há arrastados anos. A sua frondosidade e robustez eram de encher as vistas, e, claro, um delicioso abrigo para o momento de despachar o farnel. Era uma árvore nova, e as suas formas ainda estavam muito arredondadas, pouco esguias, pois, não havia chegado o momento do salto, onde se estenderia verticalmente de forma abrupta.

Francisco, motivado pela sensação de que algo diferente por ali pairava, aproximou-se vagarosamente. Surpreso, encontra um ninho de uma pequena ave granívora, mais propriamente: Um pintassilgo.

O passareco, vendo a aproximação do intruso, ergueu-se, mostrando a totalidade da sua máscara vermelha, a cabeça branca e preta, e um infinito de manchas amarelas nas asas. Gracioso e elegante.

Francisco estava cansado de ver, essa, e outras, espécies, a rondar as suas terras e a fazer ninhos por todos os lados, mas, aquele, naquele momento, soava-lhe a algo diferente e novo. Via-os, também, às centenas, quando se embrenhava pelos campos e seguia até à lagoa de Óbidos. Era íntimo de cada ninho que encontrava pelos trajetos por onde passava, mas, ali, naquele instante, sentia que fora bafejado pela sorte. Uma família estava a surgir diante dos seus olhos, num tronco baixo da sua árvore favorita.

Na primavera, os pintassilgos regressam ao seu lugar de origem para construir os seus ninhos, isso era sabido, mas, naquela árvore, Francisco, nunca reparara em nenhum. De repente, vindo do céu azul, surge outro, com o peito coberto por um colete amarelo-limão, com asas e cauda pretas, pontilhadas de manchinhas brancas, e, no alto da cabeça, uma espécie de chapéu também preto. Era o macho.

O ninho era formado por uma ténue lanugem de erva, e um emaranhado de cascas de árvore e hastes. Feito com uma qualidade arquitetónica surpreendente.

Todas as manhãs, para facilitar a vida ao casal, Francisco espalhava um grande número de sementes, de diversas espécies, diante da árvore. Em retribuição, ouvia um cantarolar suave e harmonioso.

A vida sorria. Era um outro tempo, onde os sons e os gestos se irmanavam, entre causas de uma verdade incomum.

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