A saúde pública começa muito antes da sala de espera. Começa no ar que respiramos, nos percursos que fazemos a pé, nas ruas que nos convidam – ou não – a mexer o corpo. Em suma: começa no território.
A Corrida e Caminhada pela Diabetes lembra-nos isso com uma evidência rara: prevenir pode ser movimento, encontro e conhecimento. Quando o território participa, a prevenção deixa de ser folheto e passa a ser experiência vivida.
No Oeste, esta ambição tem nome: Oeste Azul – uma visão exigente para transformar a região numa referência de longevidade com qualidade, onde viver mais tempo não seja sorte, mas resultado de escolhas colectivas inteligentes.
Da corrida ao território que cuida
Um evento dedicado à diabetes não é “apenas” desporto. É um ensaio do que poderíamos viver todos os dias se o espaço público fosse aliado da saúde. Numa manhã cruzam-se três dimensões decisivas:
- Movimento – o corpo como primeiro medicamento.
- Comunidade – famílias, escolas, associações e profissionais no mesmo espaço público.
- Conhecimento – risco metabólico, alimentação, sono e hábitos em linguagem simples, sem moralismos.
Quando a cidade facilita caminhar, correr ou pedalar, cada deslocação torna-se um acto de prevenção. Quando obriga ao automóvel, a mensagem é outra: ficar sentado é normal; mexer-se é excepção. O Oeste Azul parte de uma ideia simples e séria: o espaço público é determinante de saúde – e pode ser governado como tal.
O ar que não vemos – e que conta
A actividade física reduz risco de diabetes, obesidade, AVC e doença cardiovascular. Mas há um factor silencioso que pesa na balança: o ar interior, onde passamos grande parte da vida – em casa, na escola, no trabalho, nos hospitais e nos lares.
O ar interior pode ser mais poluído do que o exterior e contribuir para irritação ocular, alergias, infecções respiratórias, fadiga e agravamento de doença crónica. Não é motivo para pânico; é motivo suficiente para deixar de tratar o ar como detalhe.
O que resolve não é alarmismo: é ciência aplicada, quando decide chegar primeiro – medir, compreender, actuar.
Medir para proteger: Caldas Azul LIVE
Só controlamos o que conhecemos. E só conhecemos o que medimos. É aqui que o Projecto Oeste Azul e a plataforma Caldas Azul LIVE ganham corpo: uma infra-estrutura discreta de sensores e dados que transforma o território em conhecimento utilizável.
Se sabemos que gripe, COVID e VSR se transmitem sobretudo em espaços interiores, a pergunta é inevitável: porque continuamos a não medir, de forma sistemática, o ar em escolas, centros de saúde, hospitais e lares?
No Oeste Azul defendemos um caminho directo:
- Medir CO₂, partículas finas (PM2.5) e humidade em ambientes críticos;
- Tornar os dados visíveis, em tempo quase real;
- Actuar com decisões simples: lotação, ventilação, organização do espaço;
- Ligar eventos de saúde e desporto a literacia prática e a indicadores observáveis.
Três parâmetros bastam para começar – e qualquer cidadão os entende:
- CO₂: indica ventilação e “ar usado”.
- 5: mostra o que não vemos, mas respiramos.
- Humidade: conforto e risco de bolores, ácaros e alergias.
Com dados claros, o discurso deixa de ser abstracto (“ambiente saudável”) e traduz-se em acção:
- semáforos visíveis (verde/amarelo/vermelho);
- alertas simples (abrir janelas, ajustar ventilação, evitar sobrelotação);
- avaliação do impacto de obras, eventos e políticas.
Não se trata de transformar a cidade num laboratório. Trata-se de lhe dar inteligência discreta para corrigir o que é melhorável.
Do evento à literacia que se torna saúde
A Corrida e Caminhada pela Diabetes mostra como um momento festivo pode gerar conhecimento aplicado. Com a Caldas Azul LIVE, cada evento pode deixar um legado simples:
- Antes: medir condições do ar e do espaço.
- Durante: associar participação a literacia prática (HbA1c, sono, alimentação, risco metabólico).
- Depois: devolver à comunidade resultados claros — participação, indicadores ambientais e melhorias a introduzir.
No Oeste Azul, cada evento deixa de ser só celebração e passa a ser aprendizagem em movimento.
Três passos para o Oeste Azul sair do papel:
- Medir onde faz mais diferença: em cada concelho, começar por 3 edifícios – uma escola, um centro de saúde e um lar.
- Ligar eventos a literacia: um dado novo, uma pergunta simples, um gesto concreto para levar para casa.
- Tornar os dados visíveis: painel físico e digital com CO₂, PM2.5, humidade e participação.
Não é teoria: é um guião para começar já, com recursos acessíveis e resultados mensuráveis.
Correr é viver – e governar é preparar o caminho
A prevenção não cabe apenas na agenda de um médico. Vive nas decisões de planeamento urbano, nos orçamentos municipais, na forma como desenhamos escolas, lares, centros de saúde, hospitais, parques e percursos pedonais.
Quando um concelho investe em passeios contínuos, ciclovias seguras, sombra, e sensores que monitorizam discretamente o ar, está a fazer o equivalente contemporâneo do que Jonas Salk fez no seu tempo: chegar antes do problema.
No fim, a questão é política e cultural:
O que sabemos, de facto, sobre o ar que respiramos nos centros de saúde, hospitais, escolas e edifícios públicos – e o que estamos dispostos a começar a medir para o melhorar?
José Filipe Soares
(MSc Engenharia e Tecnologias da Saúde, MBA em Gestão)
O texto segue a ortografia culta da Língua Portuguesa, por respeito à sua matriz histórica e etimológica. É a afirmação de que a evolução não exige o apagamento das raízes.










