A jovem de 16 anos que terá esfaqueado até à morte a irmã, três anos mais velha, em agosto do ano passado, na casa onde viviam com o pai, no bairro da Fonte Boa, em Peniche, foi agora acusada pelo Ministério Público dos crimes de homicídio qualificado e profanação de cadáver.
A rapariga, que confessou aos inspetores do Departamento de Investigação Criminal de Leiria da Polícia Judiciária e durante o primeiro interrogatório judicial, ter matado Lara Pereira, aguarda o desenvolvimento do processo judicial em prisão preventiva na cadeia de Tires, por se considerarem verificados “os perigos de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas e de continuação da atividade criminosa”.
Terá sido um ato cometido no dia 15 de agosto de 2023, na sequência de uma discussão em que a menor, num momento de raiva, ficou exaltada com a irmã por esta tê-la repreendido por estar a trocar mensagens de teor sexual pelo Whatsapp e ficado na posse do seu telemóvel.
Uma vez que o pai apresentava dependência do álcool e tinha sofrido três acidentes vasculares cerebrais (AVC) nos últimos tempos e estava debilitado, com dificuldades na fala e no andar, era a irmã mais velha quem assumia uma posição de supervisão sobre a mais nova, vigiando e tentando reprimir contactos sexuais e amorosos via Internet.
“Por motivo fútil, utilizando arma branca, desferiu um número de facadas não apuradas, provocando a morte da irmã”, que ainda terá tentado fugir dentro de casa mas foi atingida em diversas partes do corpo, referiu no ano passado a Polícia Judiciária. “A partir de uma pequena discussão deu-se uma tragédia”, manifestou o diretor do Departamento de Investigação Criminal de Leiria da Polícia Judiciária, Avelino Lima.
Apesar de descrever que “a arma do crime é uma faca perfeitamente comum de uso doméstico, revelou que “não foi localizada”.
O corpo de Lara Pereira foi arrastado para o quarto onde ambas dormiam e ocultado debaixo da cama da menor durante três dias, antes de enrolá-lo num lençol e transportá-lo a coberto da noite, num carrinho de mão, para o terreno baldio arenoso a cerca de 130 metros, nas traseiras da habitação.
Escavou um buraco pouco profundo onde colocou o cadáver e tapou a cova, que ficaria dissimulada não fossem as diligências das autoridades policiais no sentido de apurar os contornos do desaparecimento da jovem.
Segundo Avelino Lima, perante todos os indícios recolhidos “não há suspeitas de envolvimento de mais ninguém”. A desproporção de tamanho entre as duas jovens (a vítima é anã) terá tornado possível que a mais nova tenha, sozinha, matado e enterrado Lara Pereira.
A agressora lavou o interior da casa para ocultar pistas, colocou o seu cartão de telemóvel no aparelho que pertencia à irmã e quando o pai a questionou sobre se a tinha visto, respondeu que ela se tinha deslocado para junto de um ex-namorado na zona de Lisboa, o que dissimulou por alguns dias o que verdadeiramente se tinha passado.
O desaparecimento foi comunicado às autoridades policiais no dia 18 de agosto e tornou-se público dias depois quando outras familiares – uma prima e a mãe, que está separada do pai e não vive na mesma casa – difundiram apelos nas redes sociais.
No dia 8 de setembro, o Ministério Público de Peniche solicitou à Polícia Judiciária a realização de diligências, que foram efetuadas em Peniche, Caldas da Rainha e na zona da Grande Lisboa, despistando as informações obtidas das vivências da jovem dada como desaparecida e que indiciaram que a área da residência era onde estariam as respostas.
Foi assim que no dia 13 de setembro se procederam desde o início da manhã a “várias diligências de investigação junto dos familiares diretos, bem como à realização de vários exames e perícias pela Equipa do Local do Crime do Laboratório de Polícia Cientifica da Polícia Judiciária, resultando inequívoco que ocorrera uma morte violenta no domicílio da desaparecida”, relatou esta autoridade policial.
O comportamento da irmã menor durante as perícias em casa levantou suspeitas sobre o seu envolvimento no caso. A dada altura foram observados vestígios de sangue no colchão da cama da suspeita, que confrontada com a situação acabou por admitir a autoria do crime e revelar a localização do corpo da desaparecida. O cadáver foi encontrado ao final da tarde e a irmã da jovem assassinada foi detida.
A detida vai responder por homicídio qualificado, pela perversidade e forma como foi cometido (punido entre 12 e 25 anos de prisão) e profanação de cadáver (punido até dois anos). No julgamento, a menor, que é imputável, por já ter 16 anos, poderá eventualmente beneficiar de um regime penal de jovens adultos delinquentes (16 a 21 anos), caso o tribunal não veja demonstradas razões sérias para crer que a atenuação especial não traz vantagens para a reinserção social da jovem. Contudo, nunca terá demonstrado arrependimento pelo ato cometido.
O crime inusitado chocou a população de Peniche, mas de acordo com os testemunhos de pessoas que conheciam a família, a relação entre as irmãs era conflituosa, com desavenças constantes. Contudo, as discussões não ultrapassariam os limites e não eram vistas como anormais, segundo a Polícia Judiciária.
A família já teria sido sinalizada pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Peniche, por ser “necessitada de apoio”, nomeadamente por uma situação financeira frágil e condições de vida de extrema miséria.
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