Foi entregue nesta quinta-feira na Secretaria de Estado das Pescas a proposta para a portaria que irá permitir a criação do primeiro comité de cogestão da apanha de percebe na Reserva Natural das Berlengas. Este enquadramento legal da cogestão foi elaborado pelo consórcio de entidades que integram o projeto Co-Pesca 2, e é fruto de um trabalho conjunto de cerca de três anos.
O percebe é dos mais apetecidos e procurados mariscos da costa portuguesa, que devido à dificuldade da sua captura atinge um valor comercial bastante elevado. Devido às suas caraterísticas naturais as Berlengas são um local privilegiado para o percebe, especialmente nas vertentes voltadas a norte, onde o hidrodinamismo é mais intenso.
Sérgio Leandro, investigador responsável do Instituto Politécnico de Leiria e do MARE (polo de investigação científica do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente), diz que se trata “de um momento histórico e determinante para a implementação de novos modelos de gestão aplicáveis em algumas pescarias portuguesas”.
“A partilha de responsabilidades, o assumir de compromissos e o respeito mútuo entre os mariscadores da Berlenga, biólogos e entidades gestoras e fiscalizadoras, será determinante para implementar uma correta exploração económica do percebe, sem colocar em causa a sustentabilidade do recurso no território classificado como Reserva da Biosfera”, aponta.
Para Rita Sá, coordenadora de Oceanos e Pescas da Associação Natureza Portugal/World Wide Fund for Nature (ANPlWWF) e facilitadora neste projeto, “é o culminar de todo o trabalho desenvolvido nos últimos anos, que envolveu não apenas investigadores e autoridades, mas sobretudo mariscadores que se uniram em torno da preservação desta espécie e da atividade em si e que irá resultar numa mudança de paradigma na gestão dos recursos marinhos”.
O Co-Pesca 2, iniciado em 2018, teve como principal objetivo a implementação da cogestão da apanha de percebe na Reserva Natural das Berlengas, cuja gestão partilhada entre vários intervenientes permitiu focar na sustentabilidade do recurso nas suas múltiplas dimensões: ambiental, económica e social. Este projeto, único em Portugal, marcou o ponto de partida dos processos participativos de cogestão de recursos vivos marinhos e envolveu cerca de 40 mariscadores, organizações não-governamentais, cientistas e entidades públicas. Os parceiros da iniciativa são o Instituto Politécnico de Leiria, a ANPlWWF, a Universidade de Évora, MARE e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, tendo sido financiado pelo Mar 2020.
Além do pioneirismo deste projeto ao sublinhar a importância da cogestão como uma das formas eficazes para gerir os recursos naturais, o Co-Pesca 2 conseguiu também, em 2019 e com o apoio da Docapesca, a criação do check point para descarga no porto de Peniche do percebe capturado na Reserva Natural das Berlengas. O check point permitiu facilitar a monitorização do esforço de pesca e melhorar a qualidade dos dados fornecidos pelos mariscadores.
Em 2020, também no âmbito do projeto, e devido ao estado de emergência a que a situação pandémica obrigou, os 40 mariscadores licenciados solicitaram às entidades competentes, a entrada em vigor de uma moratória de apanha do percebe na Reserva Natural das Berlengas, visando o fecho da pescaria por tempo indeterminado até que estivessem reunidas todas as condições de segurança. Esta iniciativa promovida por questões comerciais e de saúde pública foi reveladora da união e do desenvolvimento do associativismo entre os mariscadores.
O trabalho de capacitação feito ao longo do projeto junto da Associação de Mariscadores da Reserva Natural das Berlengas é um dos resultados mais visíveis do projeto: o grupo reforçou a sua coesão e agilizou a tomada de decisão coletiva, conseguindo assim ter maior força enquanto associação de mariscadores – esta força e o envolvimento dos mariscadores neste processo é fundamental para o sucesso da cogestão.
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