Já não suporto esta situação. Cresci e aprendi a trabalhar com a expressão das crianças, dos adolescentes e dos adultos. Onde estão as caras? E os sorrisos? Ali, onde diariamente me desloco, apenas vejo uns olhos claros, bonitos, agora sem expressão. E o sorriso?
Ontem não consegui voltar a suportar tal situação. Quando me mediu a temperatura e me fez sinal para avançar, tirei-lhe a máscara deitando-a ao chão.
Foi tudo muito breve. O polícia, que estava por perto, agarrou-me o braço e magoando-me perguntou-me se era maluco. “Estou” – respondi-lhe.
O carro, a esquadra e uma cadeira apontada para me sentar. Aí, sentado, senti uma grande confusão na minha mente. Abriu-se uma porta e, ao entrar, mais um sinal para outra cadeira bem distanciada de uma secretária. Uma mulher, escondida na máscara, começou o interrogatório – nome, morada, cartão de cidadão, profissão, etc..
Finalmente olhou-me por algum tempo. Porque fez aquilo, professor? Conheço-o bem da escola e do Arneirense, onde fomos colegas no atletismo, faz já muitos anos. Pela falta de um sorriso – respondi -lhe. E continuando – agora tudo parece ter acabado; somos apenas bonecos mascarados e amedrontados. Onde estão as nossas caras? Só sinto palavras meio comidas pelo pano das máscaras. E a alegria de nos vermos, de nos cumprimentarmos, de vermos os nossos sorrisos? Não somos robots, precisamos de continuar a ser gente. Onde estão os nossos sorrisos?
Fez – se silêncio. Um silêncio doloroso. Apenas o olhar. Apetecia – me fugir.
Então, vi a mulher levar lentamente as mãos às orelhas. Tirando a máscara começou a sorrir. Admirado, resolvi fazer o mesmo. Dos sorrisos passámos às gargalhadas. A porta abriu-se. De repente, o polícia que me tinha conduzido à esquadra, fez o mesmo.
Não sei por quanto tempo soltámos as gargalhadas mais bonitas do mundo!
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