Podeis perguntar: donde vem tão irracional, e malévola, tendência? Eu respondo: vem dos postos de malfeitoria em que se transformaram muitos cargos e “serviços públicos” criados pela democracia em nome das mais variadas (e solicitadas) virtudes. Portugal, como outros Estados politicamente atrasados, tende a ver a sociedade como uma grande família, sendo o papel do pater famílias assegurado pelo governo. Nestas circunstâncias, perguntar às pessoas se “aceitam” ou não que se privatizem as frequências eletromagnéticas do Estado(?), a água, os aviões, etc., é uma pergunta parva. É como perguntar ao cidadão se prefere ser roubado por um ladrão “da família” que ele já “conhece” ou por outro que ele talvez ainda “desconheça”, sendo que o cidadão desconfia que o primeiro trabalha para o segundo.
Quando muito a questão a pôr-se seria: concorda ou não em que a oligarquia indígena dominante deixe de ter o controlo sobre alguns setores públicos nacionais, fundamentais para a justiça, a cujas rendas (e prebendas de administração) ela nunca o deixou aceder em condições de igualdade de oportunidades, contrariamente ao previsto na Constituição? O que temem, afinal, os defensores políticos do “serviço público de televisão”? Que deixemos de “conhecer” certas caras quando a sondagem nos interpela? Que não saibamos mais quem são as “autoridades” que nos “governam”? Que os seus filhinhos percam a “oportunidade” de se tornarem ricos e famosos num qualquer ápice de revelação “artística” ou “literária”? Que não tenhamos mais que continuar a ser obrigados a pagar por coisas que não queremos ver ou ouvir?
Somente os povos que exigem qualidade aos seus governantes sabem que podem ganhar alguma coisa com o governo. Portugal é hoje (novamente? como sempre?) um país manso e amargurado, uma região do Universo inimiga de si própria, onde uns reconhecem o caldo nutritivo das Origens e outros a lama pestilenta dos Finais. Que sim a ambos direi, pois há de facto em Portugal, o mais antigo Estado-nação da bela Europa, um constante sentimento de ausência-permanência, uma persistente dor de corno mal curada que tolda os olhos do povo e que geme por socorro a cada amanhecer, esvaída em silêncio.
Uma dor aflita, temente de morrer sem ter dito as palavras; sem ter abraçado a doçura das esferas, o núcleo ardente das mais puras rosas! Para vermos ou pensarmos de forma diferente era necessário que fossemos outros. Que fôssemos mais militares do que militantes. Quiçá Zaratustra também assim tenha falado.
Valdemar J. Rodrigues
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