De Activo Improdutivo a Infra-Estrutura de Valor Público

29 de Novembro de 2025

Artigo de transição para a construção do Oeste Azul

I. Onde estamos: Síntese dos artigos anteriores

Os últimos meses foram marcados pela publicação de uma série de artigos que constroem, peça por peça, uma visão coerente e ambiciosa para o futuro das Caldas da Rainha. Não são textos dispersos, mas capítulos de uma mesma narrativa: a construção de um território que integra energia limpa, saúde pública, longevidade, inovação e inteligência territorial.

  1. Inovar com Sustentabilidade: Como o Oeste pode ser um Laboratório de Energia Limpa: demonstrei que a região tem todas as condições técnicas e geográficas para testar micro-redes, sistemas híbridos e novas arquitecturas energéticas que integram saúde, ambiente e eficiência territorial.
  2. Economia da Inovação e a Zona Azul do Oeste: expliquei como a longevidade, a ciência e a inovação podem ancorar uma economia territorial robusta, capaz de gerar valor real para as comunidades – muito para além da sazonalidade económica.
  3. A Cidade que Nasceu para Cuidar: recordei a matriz fundadora da cidade – a visão de D. Leonor – e mostrei como o cuidado e a inovação social são os pilares de uma identidade estratégica ainda por recuperar.
  4. Novo Hospital do Oeste: Entre o Custo Político e o Preço do Desperdício: alertei para o impacto estrutural de decisões erradas na localização hospitalar, que condicionam o acesso a cuidados e o desenvolvimento regional durante décadas.
  5. Oeste Azul: Saúde, Sustentabilidade e Inteligência Territorial: propus a visão da Zona Azul – um território capaz de articular saúde pública, ambiente e dados para uma nova trajectória de longevidade e competitividade.
  6. Paixão Azul: mostrei como a identidade cultural e emocional pode tornar-se um activo estratégico, unindo comunidade, ambiente e inovação numa nova narrativa territorial.

Este artigo é a ponte natural para a fase seguinte.

II. A travessia entre o “antes” e o “depois”

Entramos agora na fase propositiva: o território foi diagnosticado; as fragilidades foram identificadas; e a visão foi apresentada. Daqui para a frente, o que falta é agir. Mas essa acção só faz sentido se houver, verdadeiramente, vontade de Mudar – e não apenas o uso do slogan.

III. O problema não está na “árvore”

Está no modelo de decisão.

Os ecos ainda persistentes entre quem venceu e quem se sente vencido nas últimas eleições voltaram a revelar, quase de forma pedagógica, o problema estrutural que há anos bloqueia o progresso das Caldas da Rainha: uma política local que se perde no acessório, ignora o essencial e transforma o trivial no centro do debate, expondo um foco estratégico perigosamente ausente.

O que está em causa não é a instalação artística em si, mas o modelo de decisão que a permite: um processo sem propósito, sem visão e sem densidade técnica, onde opções urbanas são tomadas sem enquadramento, sem métricas e sem qualquer ligação ao desenvolvimento territorial de longo prazo.

A “árvore” – apresentada como símbolo da “Caldas da Rainha Cidade Criativa” – tornou-se, involuntariamente, o espelho deste problema: ilumina o imediato, mas escurece o futuro; investe em adereços, mas negligencia infra-estruturas; acende luzes por umas semanas, mas apaga oportunidades durante um ano inteiro.

Do ponto de vista técnico, a evidência é indiscutível: trata-se de um activo improdutivo, sem externalidades positivas nem qualquer multiplicador territorial, revelando uma clara falha de afectação de recursos públicos.

Em economia pública, isto tem um nome simples: um custo que não se transforma em benefício. E municípios que repetem decisões deste tipo caem inevitavelmente numa gestão de baixa densidade estratégica – governam o imediato, ignoram o estrutural e comprometem o futuro.

E assim surge a pergunta que nenhum cidadão responsável pode ignorar: afinal, “Vamos Mudar”?”

Numa verdadeira Zona Azul, cada euro público é investimento, não decoração; cada projecto tem retorno social, não apenas visibilidade; cada decisão insere-se num mapa de futuro, não num calendário de festividades. É assim que se constrói um território que valoriza métricas reais – da eficiência energética às infra-estruturas inteligentes – e onde até a qualidade do ar interior nas instituições públicas é tratada como componente essencial da protecção de utentes e profissionais, incluindo na ULS do Oeste.

Uma cidade que compreende isto não escolhe adereços: escolhe futuro.

Numa cidade cuja identidade nasceu da saúde e do cuidado – desde D. Leonor ao Hospital Termal – ignorar métricas essenciais como a qualidade do ar interior nas instituições públicas não é apenas um erro técnico: é uma incoerência histórica. A saúde sempre foi o eixo estruturante das Caldas; há decisões que honram isso, e há decisões que o traem.

IV. O que a cidade poderia fazer se houvesse visão

Com criatividade, técnica e propósito, a estrutura poderia ser transformada numa infra-estrutura de valor público permanente, útil todos os dias do ano, e não apenas durante a época natalícia.

O século XX construía praças com enfeites; o século XXI constrói cidades com dados.

Transformar um passivo em valor público significa, neste caso, integrar um sistema de monitorização ambiental em tempo real, com sensores discretos e de baixo consumo, capazes de medir partículas finas (PM1, PM2.5 e PM10), dióxido de azoto, ozono, compostos orgânicos voláteis, CO₂, radiação UV e humidade relativa.

Estes sensores comunicam entre si através de redes de longo alcance e baixo custo, enviando automaticamente dados para um pequeno servidor municipal, alojado numa máquina virtual simples. Com software open-source como Grafana ou AQI-Node, os dados transformam-se em mapas dinâmicos, gráficos e relatórios automáticos. A cidade passa a conhecer, em tempo real, o ar que respira, as zonas críticas, as horas de maior poluição e os impactos da mobilidade e do tráfego.

E a ULS Oeste pode integrar estes dados nos seus próprios sistemas de alerta – e monitorização interna em tempo real de qualidade do ar – para doenças respiratórias.

V. Informação pública acessível e permanente

A mesma estrutura pode incorporar um painel LED de baixo consumo – alimentado parcialmente por micro-painéis solares verticais – que exibe, de forma clara e contínua, o índice de qualidade do ar, recomendações de saúde, níveis de UV e pequenos alertas meteorológicos. A praça deixaria de ser um ponto decorativo para se tornar num espaço de literacia ambiental útil a residentes, escolas, turistas e idosos.

Além disso, a estrutura pode integrar um módulo de projecção digital de baixa luminosidade, capaz de criar padrões visuais, mapas informativos e micro-conteúdos adaptados ao contexto urbano. Esta tecnologia – discreta, modular e energeticamente eficiente – permite projectar imagens ambientais, mensagens de literacia em saúde, animações temáticas para épocas festivas, actividades pedagógicas para escolas e até informação comercial a preço simbólico para apoiar o comércio local. Em datas especiais, poderia também acolher projecções alusivas à história da cidade, incluindo homenagens à Rainha D. Leonor e ao legado fundador das Caldas da Rainha. Com esta versatilidade, a praça deixa de ser um espaço estático e torna-se uma superfície viva, dinâmica e permanentemente útil à comunidade.

Hoje, cidades verdadeiramente criativas recorrem a tecnologias contemporâneas como projecções fog-screen, capazes de gerar imagens flutuantes no espaço, interactivas e adaptáveis a qualquer época do ano – desde formas artísticas a dados ambientais, mensagens educativas ou celebrações históricas. São soluções leves, versáteis e eficientes, amplamente utilizadas em centros urbanos que não confundem inovação com ornamentação. Ao lado disto, uma estrutura metálica ornamentada com LEDs – herança estética do século XX – dificilmente pode ser apresentada como símbolo de modernidade e muito menos de criatividade. A diferença não é apenas tecnológica: é conceptual. Há cidades que projectam luz; e há cidades que projectam futuro.

Além da superioridade técnica e conceptual, existe um contraste económico evidente. As tecnologias de projecção digital de baixa luminosidade e fog-screen têm custos de instalação substancialmente inferiores aos das estruturas metálicas ornamentadas com LEDs. Um sistema modular de projecção – adaptável, sustentável e utilizável durante todo o ano – representa uma fracção do investimento necessário para montar, desmontar, transportar, armazenar e manter uma estrutura pesada, sazonal e tecnologicamente datada.

Mais ainda: enquanto o modelo antigo exige um ciclo anual de custos fixos – montagem, energia, manutenção e logística –, os sistemas de projecção moderna operam com consumos mínimos, usam software open-source e têm custos marginais próximos de zero ao longo do ano, além de poder comportar publicidade do comércio local. O resultado é incontornável: a solução tecnicamente superior é também a economicamente racional.

VI. Plataforma Caldas Azul LIVE – Primeiro marco físico da Cidade Azul

As cidades que lideram – de Helsínquia a Amesterdão, de Viena a Barcelona – já baseiam as suas decisões em dados ambientais contínuos. Não é tecnologia futurista; é o padrão internacional das cidades inteligentes. O que nos falta não é capacidade técnica: é a decisão de entrar para essa liga.

A Caldas Azul LIVE não é apenas um projecto técnico: é o primeiro marco físico e institucional da Zona Azul do Oeste – a visão de uma cidade que não ilumina o supérfluo, mas o essencial; que não investe em enfeites, mas em conhecimento; que não produz polémicas, mas inteligência; que não apaga oportunidades, mas cria-as.

Todos os dados recolhidos pelos sensores poderiam convergir para uma plataforma municipal pública – a Caldas Azul LIVE – acessível a qualquer cidadão, profissional de saúde, investigador ou decisor municipal. Nela, seria possível consultar a qualidade do ar em tempo real através de gráficos dinâmicos, visualizar relatórios mensais automáticos e acompanhar um histórico completo da evolução dos indicadores ambientais.

Esta plataforma funcionaria como um verdadeiro laboratório vivo, capaz de gerar valor público todos os dias do ano. Seria também um símbolo da inteligência ambiental do concelho e o primeiro marco físico da Cidade Azul, permitindo observar tendências, ciclos sazonais e impactos directos da mobilidade, da meteorologia e das decisões urbanas no ar que respiramos.

Graças a tecnologias open-source como InfluxDB e Grafana – gratuitas, robustas e utilizadas em cidades inteligentes de referência – o município poderia ainda disponibilizar uma API aberta para investigadores, estudantes e developers locais, promovendo inovação, ciência cidadã e novos projectos tecnológicos sem qualquer custo adicional.

VII. Efeito Multiplicador Territorial

A “árvore” deixaria de ser apenas um enfeite urbano sazonal para se transformar numa verdadeira plataforma científica e educativa permanente. Passaria a funcionar como estação demonstradora para escolas, permitir experiências simples e actividades de literacia ambiental; seria também um recurso útil para o Politécnico, integrável em projectos de “Saúde e Ambiente” ou em módulos de ciência de dados aplicada. O Hospital Termal poderia utilizá-la como ponto de medição complementar para estudos sobre ar, bem-estar e impacto ambiental nas terapias termais, enquanto a comunidade teria acesso directo aos dados, promovendo ciência cidadã e participação activa.

No seu conjunto, esta transformação criaria um poderoso efeito multiplicador territorial, reforçando a identidade das Caldas da Rainha como referência nacional em saúde ambiental e inteligência territorial, onde ciência, saúde, educação e ambiente convergem num mesmo espaço público.

O resultado é directo e poderoso: a governação municipal passa finalmente a basear-se em evidência, com decisões sustentadas por dados concretos em vez de percepções. O território ganha transparência, capacidade de monitorização contínua e ferramentas rigorosas para políticas de saúde pública, ambiente e mobilidade.

Assim, o que antes era um investimento estético sem retorno transforma-se numa infra-estrutura permanente de valor público – mensurável, útil e alinhada com a estratégia de saúde e sustentabilidade que a cidade tanto precisa.”

VIII. “Vamos Mudar”

Se não avançar, será apenas mais um sinal de que o concelho continua a ser ultrapassado – não por falta de talento, mas por falta de ambição inteligente – e a verdadeira pergunta é esta: queremos continuar presos ao ciclo do acessório?

Ou queremos ser a primeira cidade portuguesa com um sistema público e transparente de inteligência ambiental, capaz de proteger a saúde, orientar investimentos e preparar o futuro?

A resposta define tudo. E define – sem margem para dúvidas – quem realmente quer mudar, e quem apenas quer parecer que muda.

IX. A Próxima Série:

Saúde, Território e Futuro

(Se houver vontade real de Mudar)

Este artigo fecha um ciclo. O próximo inicia-se apenas se houver verdadeira vontade de transformar a cidade.

A série “Saúde, Território e Futuro: a Arquitectura do Oeste Azul” apresentará propostas estruturadas, científicas e operacionais para posicionar Caldas da Rainha como território de excelência, longevidade e inovação.

Se houver vontade, será o início de um novo caminho.

Se não houver, a pergunta mantém-se:

Ou enganei-me no voto?

 

Por José Filipe Soares

MSc Engenharia e Tecnologias da Saúde · MBA em Gestão

 

O texto segue a ortografia culta da Língua Portuguesa, por respeito à sua matriz histórica e etimológica. É a afirmação de que a evolução não exige o apagamento das raízes.

Aceda à sua conta.

Preencha os campos abaixo para entrar na sua conta.
Esqueceu-se da password?Clique aqui.
Ainda não tem conta?Registe-se aqui.
Tipos de assinatura disponíveis
Simples – Gratuito

• Valildade ilimitada
• Possibilidade de comentar nos artigos

7 Dias Digital – €1

• Validade de 7 dias.
• Acesso a todo o contéudo digital.
• Acesso completo ao arquivo de publicações impressas.
• Possibilidade de comentar nos artigos.

1 Ano Digital – €15

• Validade de 365 dias.
• Acesso a todo o contéudo digital.
• Acesso completo ao arquivo de publicações impressas.
• Possibilidade de comentar nos artigos.

1 Ano Digital + Papel – €30

• Validade de 365 dias.
• Acesso a todo o contéudo digital.
• Acesso completo ao arquivo de publicações impressas.
• Receba o jornal todas as semanas.
• Possibilidade de comentar nos artigos.

Crie a sua conta.

Preencha os dados abaixo para se tornar assinante.
Já tem conta?Aceda aqui.
Selecione a assinatura pretendida