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O jogo da Liberdade e do Esquecimento

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O direito ao esquecimento surge associado a um forte interesse jurídico em proteger a esfera privada do cidadão, estando intimamente ligado a outros direitos de personalidade consagrados na CRP e no CC, como o direito à intimidade da vida privada, à identidade pessoal, ao crédito e à honra. Este último consagrado nos artigos 25º e 26º da CRP salienta-se enormemente pela defesa do bom nome e da reputação de um indivíduo, encontrando reflexo nos artigos ligados ao regime dos direitos, liberdades e garantias (17 º e 18 º CRP). Assim, qualquer pessoa poderá ter o direito de aceder aos seus dados exigindo a sua retificação ou atualização (35º e 37º CRP).
Tânia Azevedo

O direito ao esquecimento surge associado a um forte interesse jurídico em proteger a esfera privada do cidadão, estando intimamente ligado a outros direitos de personalidade consagrados na CRP e no CC, como o direito à intimidade da vida privada, à identidade pessoal, ao crédito e à honra. Este último consagrado nos artigos 25º e 26º da CRP salienta-se enormemente pela defesa do bom nome e da reputação de um indivíduo, encontrando reflexo nos artigos ligados ao regime dos direitos, liberdades e garantias (17 º e 18 º CRP). Assim, qualquer pessoa poderá ter o direito de aceder aos seus dados exigindo a sua retificação ou atualização (35º e 37º CRP).

No caso das celebridades, que estiveram sob o olhar do público durante algum tempo, mas que por várias razões já se encontram afastadas dessa mesma esfera, podem requerer que a informação sobre as mesmas, outrora consentida, possa ser retirada dos motores de busca online. Em outros casos, como pessoas condenadas por actos criminosos, o direito ao esquecimento pode ser solicitado para que as mesmas possam alcançar com sucesso a sua reabilitação.

O direito ao esquecimento foi objecto de muita atenção desde o julgamento ocorrido em 2014, “Google Espanhola contra Agência Espanhola de Proteção de Dados”, no Tribunal de Justiça da União Europeia. Um cidadão espanhol argumentou que qualquer pessoa poderia ter acesso à informação relativamente ao seu passado, quando se efectuasse uma pesquisa com o seu nome no motor de busca da Google.es. Quando tal ocorria era possível a visualização de dados sobre as suas dívidas à segurança social, resultando numa penhora ao seu imóvel levado a leilão. No entanto, mesmo depois de a sua situação estar resolvida e a sua dívida saldada, a notícia referente à penhora do seu imóvel ainda se encontrava online. O Tribunal de Justiça da União Europeia determinou que o link da penhora não deveria aparecer no Google, quando se inserisse o nome do visado, salvaguardando – se assim a esfera privada do cidadão.

O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia começou a ser obrigatoriamente aplicado a partir do dia 25 de maio de 2018, tendo como objectivo equilibrar a proteção de dados pessoais dentro da União Europeia. Este regulamento trouxe uma maior segurança jurídica aos cidadãos europeus fazendo com que os mesmos possam, se for essa a sua intenção, pedir que a informação relativa ao seu passado deixe de ser divulgada online, de modo a protegerem-se de possíveis danos que possam surgir no futuro.

Este regulamento ganha força sobretudo no seu artigo 17º que salienta o direito ao esquecimento, e consequentemente ao apagamento da informação pessoal do cidadão, desde que o mesmo tenha as condições necessárias para o fazer. Este direito pode também ser invocado por qualquer cidadão por diferentes razões nomeadamente; oposição à divulgação dos seus dados, que não seguiu as normas do regulamento ou que o prazo de consentimento relativamente aos mesmos tenha já sido ultrapassado. O responsável pelo tratamento dos dados recolhidos tem a responsabilidade de apagar os mesmos de forma célere, bem como de avisar as terceiras partes envolvidas, que também utilizaram os dados dos mesmos cidadãos, para efetuar os devidos procedimentos.

Contudo o responsável pelo tratamento dos dados poderá invocar legitimamente o direito à liberdade de expressão, bem como o facto de se encontrar a perseguir um interesse público. Mas será que o direito ao esquecimento pode infringir o direito à liberdade de expressão? Como encontrar o limite entre estes dois direitos? Deverão ter todos os cidadãos o direito a começar de novo, sem que o seu passado implique negativamente o seu presente? Estando a liberdade de expressão ligada ao direito de informação, como podemos limitar o acesso à mesma sem que haja uma violação do direito à privacidade?

A liberdade de expressão é fundamental para o exercício da democracia, devendo apenas haver restrições ao seu exercício em situações extremamente necessárias. Porém quando se fala do direito ao esquecimento, inequivocamente acabamos por entrar em confronto com o direito de acesso à informação. O interesse do público e a liberdade de expressão bebem a água da mesma fonte, necessitando um do outro para existir. E mesmo as informações obtidas ilegalmente poderão ser do interesse do público, como no caso do Rui Pinto, que criou o site Football Leaks, denunciando várias figuras públicas do mundo do futebol, da banca e dos negócios. A informação e os documentos por ele recolhidos, ainda que de uma forma ilegal, foram usados por vários países, incluindo Portugal, na condenação de alguns envolvidos.

Se a liberdade de expressão abrange o direito de informar e de se informar sem qualquer tipo de impedimento e descriminação, e o direito ao esquecimento implica que os dados recolhidos pela tal liberdade de expressão sejam retirados, então andamos numa luta entre o rato e o gato, em que os dois direitos correm o risco de não existirem de forma plena. E não existindo de forma plena, como os podemos exercer livremente?

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