Escaparate
Acordei esta manhã com vontade de fazer-me de distraído. Ora bem… Alguém que me explique o motivo que leva um vereador
(que abandonou o partido político que o ajudou a eleger-se) a não demitir-se do cargo para o qual foi eleito, se não possui
nenhum interesse pessoal envolvido. Será somente para não perder as funções que o executivo da Câmara Municipal lhe deu
de mão beijada (onde deve ganhar alguns tostões e visibilidade)?
Bem sabemos que não é obrigado a fazê-lo, mas se, genuinamente, existe alguma ética, o tal vereador deveria abandonar o
confortável posto, entregando-o para o elemento que ficou em segundo lugar, nas autárquicas de 2021, na lista do partido por
onde concorreu à presidência do concelho, aliás, perdendo a eleição de forma vergonhosa e humilhante.
A frase que ouvi, por boca de terceiros, que, segundo consta, foi proferida pelo visado, “Fui eleito e daqui não sairei” parece-me
de uma arrogância e de uma falta de moral extrema.
A política está apinhada destes indivíduos, que estão nela por puro interesse pessoal. Mau para as comunidades, para as
aldeias, vilas e cidades de um país que se quer grande. Como alterar esse quadro? Como eleger pessoas dedicadas e corretas
com a causa pública?
O que acabo de escrever, não se prende com o facto de poder ter algo de pessoal contra a pessoa em questão. Não tenho.
Estou apenas a exercer o meu direito à liberdade de expressão e a colocar-me ao lado dos que querem uma política
transparente e honrada. Incomoda-me ver, em muitos supostos políticos, discrepâncias de discurso, falastrice, ganância
acerada, ostentação exacerbada, tudo sem o mínimo de cultura, todavia inflado de instrução orientada para galgar por
caminhos estranhos (e lucrativos). No caso que cito, especificamente, o que está amplamente visível nesse aproveitamento de
posição política, é muito patuá e uma enorme vontade em ascender politicamente.
O excelso filósofo, orador e político romano, Marco Túlio Cícero (106-43 a. C.), em sua magnífica obra literária, dividida em
Discursos, Epistologia e Tratados, deixou-nos uma reflexão que serve como uma luva a toda esta situação: “Uma nação pode
sobreviver aos idiotas e até aos gananciosos. Mas não pode sobreviver à traição gerada dentro de si mesma. Um inimigo
exterior não é tão perigoso, porque é conhecido e carrega suas bandeiras abertamente. Mas o traidor se move livremente
dentro do governo, seus melífluos sussurros são ouvidos entre todos e ecoam no próprio vestíbulo do Estado. E esse traidor
não parece ser um traidor; ele fala com familiaridade a suas vítimas, usa sua face e suas roupas e apela aos sentimentos que
se alojam no coração de todas as pessoas. Ele arruína as raízes da sociedade; ele trabalha em segredo e oculto na noite para
demolir as fundações da nação; ele infecta o corpo político a tal ponto que este sucumbe. Deve-se temê-lo mais que a um
assassino”.
No caso, já não há tanta toxidade dentro do humilhado Partido, o mesmo já não posso dizer acerca do executivo camarário,
que, com os cenários que vão se sucedendo no palco do momento, acelera-se o caos e o panorama de descalabro. Se
eventualmente ainda existissem dúvidas, agora temos certezas: o grupo eleito à Câmara vai implodir.
Em todas as forças de atuação politica há grandes ditadores. No início juntam-se, trabalham muito bem entre si, até podem
parecer fortes e inquebrantáveis, porém, depois, cada cabeça começa a exceder-se em tentativas de ascensão, o que leva a
traírem-se uns aos outros. Enquanto esses elementos dão cartas, não há projetos políticos coletivos, o pensamento e a ação
passa, sempre, pelo individual. E, as derrotas sucedem-se, em todos os campos. Perdem as pessoas, as comunidades, o país.
“Há punhais nos sorrisos dos homens; Quanto mais próximos, mais sangrentos” (William Shakespeare, 1564-1616).
Quanto ao partido político que perdeu a sua representatividade na vereação, entendo que não deve limitar-se a dar sinais de
elevação e manter o aparente recolhimento, deveria, isso sim, exigir alguma ética por parte de quem o apunhalou pelas costas.
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