Quando se trata de escrever ou mostrar a História, não há neutralidade. No caso dos museus, os curadores seleccionam, evidenciam e apagam — enquadram, com determinado objectivo de leitura.
A maioria dos museus europeus são estruturas excludentes que fazem parte dos aparelhos de controlo dos Estados. São mostruários dos projectos imperiais passados, arquivos de um tempo de poder e dominação.
Baseando-se nos conceitos falaciosos de património colectivo e experiência universal, expõem diegeses que visam moldar o nacionalismo e a identidade. Estas instituições existem para manter seguras, e visíveis de determinado ângulo, as relíquias mais valiosas e significativas da nossa História. Porém, “nossa” de quem?, “valiosas” para quem?
Os museus da Europa, na sua maioria, reflectem as preocupações nacionalistas e imperialistas dos séculos XVIII e XIX. Os acervos foram constituídos a partir do século XV, com a expansão do poder europeu, através do comércio, da escravização e da subjugação imperial, e traduzem ainda hoje as crenças dos seus fundadores. Almejam representar os heróis da nação; os rostos que exibem são europeus, masculinos, brancos e ricos. Visam confortar e confirmar os preconceitos do seu público, sobretudo europeu, masculino, branco e rico. Estes museus são espaços de exaltação racista, colonialista e misógina, e cumprem o que para eles foi planeado.
No último decénio, de forma crescente, os museus tornaram-se objecto de protesto. Por um lado, novos artistas e curadores, homens e mulheres, de diferentes origens geográficas e sociais, surgiram no espaço público com autoridade, reclamando o direito à voz, ao seu lugar e à dignidade cidadã.
Por outro lado, os vários públicos excluídos da lógica supremacista, nacionalista, misógina e, também, negacionista da crise ambiental, exigem que os museus passem à auto-reflexão dos aspectos desconfortáveis da História, que reconheçam a natureza essencialmente colonial e masculina das suas colecções e levem o tradicional público-alvo a enfrentar a cumplicidade nessa lógica.
As novas curadorias, onde já pontificam muitas mulheres e há diversidade étnica e social, estão dispostas a expor os acervos de modo que os vários públicos os possam questionar, para que os museus de hoje sejam apenas anfitriões e não mais guardiões de uma certa perspectiva da História.
O actual clima de ódio e conflito, com violência racista e extremismo de direita em ascensão, torna imperioso que os museus mantenham viva a História que corremos o risco de repetir e adoptem uma perspectiva de denúncia e responsabilização.
As obras de arte de mulheres e homens devem passar a estar representadas apenas na proporção da relevância criativa, assim como deve haver pluralidade cultural nas colecções a reflectir a diversidade social, acabando com o eurocentrismo vigente.
Vivendo em tempos de crise ambiental, os museus também têm a responsabilidade de mostrar como chegámos a este ponto e de apontar caminhos sustentáveis.
Uma curadoria honesta, isenta, tornará estas histórias visíveis com facilidade, pois sempre estiveram nos museus, à espera de serem mostradas. Só assim, os museus serão para todos os artistas e públicos.
Artigo segundo a anterior grafia.
0 Comentários