O clima do Sahel ficou muito mais seco nos últimos decénios, gerando um problema dramático de cobertura vegetal. A demografia também se modificou bastante — em 2019, o Sahel tinha 84 milhões de habitantes e prevê-se que em 2050 tenha 200 milhões. Hoje é muito difícil às populações desta imensa zona transversal de África cultivar e criar animais.
Há um projecto de gerar uma muralha verde, a par da reabertura dos corredores que permitiam aos pastores não só deslocar os rebanhos como ter acesso aos mercados das zonas costeiras da África ocidental. Ora, os países costeiros como o Togo, Costa do Marfim ou Benim, por receio do terrorismo, fecharam os corredores e os pastores deixaram de poder comercializar os rebanhos. Estas dificuldades poderão desaparecer se houver cooperação regional, o que parece só ser possível se a Europa a promover.
A intervenção europeia no Sahel tem-se resumido a evitar a exportação do terrorismo e a emigração para a Europa. Na realidade, a maior parte dos fluxos migratórios do Sahel são para a costa de África ou para a península arábica. As pessoas fogem da parte mais árida e procuram modos de vida idênticos nos países à beira do oceano.
A somar a este quadro de complexidade económica, social, demográfica e climatérica, há um vazio de Estado que tem permitido o terrorismo escalar.
No dia 16 de Fevereiro, houve em Bamako a cimeira do G5 Sahel, reunião entre representantes do Mali, Chade, Mauritânia, Níger e Burkina Faso, para debater problemas de segurança e o seu papel num contexto regional mais vasto, que inclui a Líbia, o Golfo da Guiné e a República Centro-Africana. A esta cimeira na capital do Mali juntaram-se o Presidente francês e o primeiro-ministro português, por inerência da presidência portuguesa do Conselho da UE. Não tendo sido tomadas grandes decisões, destacou-se a afirmação de Emmanuel Macron de que a França não vai reduzir o contingente militar no Sahel. Também os países do Sahel continuam a insistir na resposta militar a um problema que vai muito além das questões da defesa.
É na zona das três fronteiras (entre Mali, Níger e Burkina Faso), chamada Liptako, quase quatro vezes o território de Portugal continental, que está o nó do problema militar do Sahel. É aqui que tem havido o maior número de ataques terroristas e de operações militares e a maior crise humana. Neste momento, há dois milhões de deslocados e quase novecentos mil refugiados em todo o Sahel, na maior parte pessoas que viviam no Liptako.
O aumento do número de vítimas resulta não só dos actos de terrorismo, mas também da resposta das forças armadas de França e dos países do Sahel.
António Costa sublinhou que o restabelecimento dos laços de confiança entre os cidadãos e o Estado constitui a chave para travar o avanço dos grupos armados. A falta da presença do Estado em territórios vastíssimos de países muito pobres, a somar à corrupção das autoridades civis e das forças militares é a complexa origem da instabilidade do Sahel. Nalgumas zonas destes países, a presença do Estado central é inexistente — ou são as autoridades tradicionais que impõem algum controlo local ou são grupos armados que exercem domínio sobre as populações. E o abuso de poder das forças militares sobre as populações que deviam proteger levam-nas a aderir aos grupos terroristas.
A par de melhor governação, é necessário substituir a influência dos chefes tradicionais, formados na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes Unidos e em Abu Dhabi, onde foram convertidos ao Islão. Também o espaço educativo foi ocupado pelos grupos radicais, suprindo a inexistência de escolas oficiais. Não é possível falar em desenvolvimento na região do Sahel, sem primeiro quebrar este ciclo de violência e radicalismo. Para que tal aconteça, é necessária uma atitude conciliatória e não apenas a habitual resposta militar. A França, até agora em consonância com a UE, apenas tem prolongado a crise, respondendo sempre militarmente a questões extremamente complexas, exigentes do diálogo e diplomacia preconizados por António Costa. Que a presidência portuguesa do Conselho da UE contribua para dissipar os maus ventos que fustigam o Sahel.
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