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OS DOCES DAS CALDAS

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Muita gente se interroga sobre a origem dos nossos doces tradicionais e pensam em origens remotas, quiçá, do tempo da Rainha Dona Leonor. Creio que merece algumas palavras, o assunto, começando naturalmente pelo açúcar. O açúcar é originário da Índia e cultivou-se na Síria e no Egipto. Os árabes trouxeram-no para o ocidente e foi […]

Muita gente se interroga sobre a origem dos nossos doces tradicionais e pensam em origens remotas, quiçá, do tempo da Rainha Dona Leonor. Creio que merece algumas palavras, o assunto, começando naturalmente pelo açúcar. O açúcar é originário da Índia e cultivou-se na Síria e no Egipto. Os árabes trouxeram-no para o ocidente e foi na ilha da Secília onde se desenvolveu desde o século X da nossa era. Foi a Secília a principal fornecedora de açúcar para a Europa, sem concorrência até ao aparecimento do açúcar da Madeira. O açúcar era um artigo caríssimo, droga de luxo, sobretudo apreciado pelas qualidades terapêuticas que se lhe atribuíam. Sem pretender fazer uma história exaustiva do açúcar que não cabe nos limites a que deve obedecer uma ligeira crónica, podemos apesar de tudo chamar a atenção para alguns pormenores históricos ligados ao açúcar de cana. Foi na vila de Machico, Madeira, que o açúcar se começou a fazer, por meados do século XV. Espremia-se a cana em atafonas de mão, a que chamavam “alçapremas” e sobre as quais o Infante D. Henrique cobrava um tributo. Pode calcular-se a produção de açúcar da Ilha, no ano de 1455, segundo Cadamosto, em 6.000 arrobas. Em 1440 uma arroba valia na Inglaterra 18 gramas e meio de ouro, o que daria hoje 20 mil euros por 10 quilos de açúcar. Já se vê por isso que o açúcar não era produto acessível a qualquer. Durante bastantes anos ainda o açúcar foi bastante raro e passaram séculos até que fosse considerado um bem de consumo. Alguns documentos caldenses comprovam a raridade do açúcar. A Rainha Dona Leonor pediu a El-Rei D. Manuel, seu irmão, que lhe concedesse por esmola dez arrobas de açúcar todos os anos para se despenderem em todas as coisas necessárias aos enfermos do seu hospital das Caldas, o que el-rei lhe mandou dar por seu padrão. Há documento citado por Jorge de S. Paulo. Uma arroba era no tempo de D. Manuel 10 quilos, avaliada pelo marco de arroba que se encontra no Museu de Pesos e Medidas do Ministério das Finanças. Isto quer dizer que a rainha pedia para os doentes do nosso hospital 100 quilos de açúcar por ano, menos do que qualquer pastelaria gasta hoje por dia. Por isso nunca se podia imaginar o açúcar como acessível ao povo e só mais tarde o seu consumo se democratizou. O açúcar só começa verdadeiramente a entrar nos nossos hábitos culinários quando se tornou barato e isso só aconteceu quando os navios atingem grandes tonelagens com o vapor. Em Moçambique só em 1850 se planta a cana de açúcar e esta nossa antiga colónia foi o nosso principal fornecedor de açúcar. O doce tradicional português é o doce de mel, com ovos, farinha, amêndoas, passas, erva doce, tudo o que é indígena, que temos ao pé da porta. O bolo de açúcar é na sua origem um bolo destinado a gente rica e os doces conventuais vêm dos conventos muito ricos para onde iam as filhas das famílias ricas, que reservavam as heranças para os morgados, mas não deixavam de mimar as meninas com a oferenda do açúcar. Podemos certamente apontar para a segunda metade do século XIX o nascimento nas Caldas duma doçaria importante. De variadíssimos livros de receitas que me têm passado pelas mãos, o mais curioso e mais antigo é do século XVIII, “Cousas Curiosas” onde vem uma receita de “Fatias da China”, que reza assim: clarifica-se um arrátel de açúcar, batem-se bem 36 gemas de ovos, com cuidado para não levar clara agarrada e vão-se deitando no açúcar clarificado em tacho largo. Logo que estejam cozidos retiram-se do tacho e colocam-se sobre o mármore onde se cortam em fatias que se servem molhadas na calda onde cozeram. É a referência mais antiga que conheço a alguma coisa idêntica às nossas trouxas. O açúcar era vendido antigamente, em pães, com o peso aproximado de 2 quilos. Era acastanhado, com algumas impurezas. Era o resultado da moenda nos engenhos movidos a força animal, escravos muitas vezes incluídos, da cana do açúcar. O suco da moenda era depois tratado por defecação, filtração, cozedura e cristalização, de que resulta o açúcar barato. A refinação fazia-se depois, por vários processos, sendo o mais vulgar a clarificação, que era feita pondo ao lume com água o açúcar que se não deixava ferver, fazendo com que flutuassem as impurezas; deitavam-se depois claras batidas em castelo a que aderiam os elementos menos nobres do açúcar, claras que eram retiradas com uma escumadeira. Os doces das Caldas começam a ser falados nas últimas décadas do século XIX e é natural que no apogeu da vida social, com a corte aqui instalada se desenvolvessem pequenas indústrias caseiras de doçaria. Não sabemos se nasceram primeiro as Cavacas ou as Trouxas, nem há qualquer documento que nos ajude nessa investigação. A verdade é que logo que o açúcar se apresentou no mercado sem necessidade de clarificação passaram a sobrar mais claras que trouxas fabricadas, o que torna desejável um doce como as cavacas que levam mais claras que gemas. Estabelece-se assim um equilíbrio de consumo nos ovos, evitando o desperdício tão indesejável em qualquer pequena indústria. As nossas trouxas não são as “Fatias da China” do século XVIII. Levam 1 ovo inteiro em cada dúzia de gemas que são cortadas à faca e não batidas e passadas por peneira para eliminar as peles da gema. Bem, uma coisa tão boa como os nossos doces não faz grande mossa que andem aí artistas a investigar as suas origens conventuais. Mas é bom que se analise com alguma lucidez estas coisas que nos cercam, para que não fiquemos completamente alheios a quem ajudou a dar às Caldas este resplendor de doçura em que recebemos os hóspedes. Hermínio de Oliveira

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