“Gente com História” – O designer de moda, Pedro Batim “Valorizo a autenticidade e encontro nas pessoas a inspiração para criar”

6 de Setembro de 2025

Há dez anos a viver em Inglaterra, o criador de moda, Pedro Batim conquistou um lugar de destaque no mundo da moda. Em 2023, o designer caldense alcançou um feito notável ao vencer o prémio Bespoke Fashion Designer of the Year, atribuído pelos Prémios da Indústria Criativa no Reino Unido, um reconhecimento que lhe abriu portas e consolidou a sua projeção internacional. Visionário e apaixonado pelo que faz, Pedro Batim cria peças únicas, de alta qualidade. Para o designer, a moda é muito mais do que vestuário: “é uma forma de expressão e de ligação entre quem cria e quem veste”. “Gosto muito de pessoas, e talvez a moda seja a minha forma de expressão, um meio onde existe interação”, confessa. Pedro Batim vai regressar à sua terra natal para marcar presença no Caldas Fashion, que se realiza a 22 de novembro no CCC – Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha, num momento que considera especial e carregado de simbolismo. “Aceitei o desafio porque tenho uma história nas Caldas. Quero agradecer às pessoas e encerrar aqui um ciclo para poder iniciar um novo projeto”, revela, em entrevista ao Jornal das Caldas, durante as suas férias na cidade que despertou memórias e histórias de vida que marcaram o percurso do designer.

Jornal das Caldas – Nasceu nas Caldas da Rainha. Que memórias guarda da sua infância na cidade?

Pedro Batim – Eu nasci nas Caldas da Rainha, mas pouco tempo depois, ainda com meses, os meus pais foram trabalhar para a Alemanha e eu fui com eles. Regressei às Caldas em 1976. Nessa fase inicial não tenho muitas recordações, mas depois acabei por fazer todo o percurso escolar nas Caldas até ao 12.º ano, na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro. Na altura, o design e a arte não tinham a valorização que têm hoje, nem existiam muitas oportunidades. Era tudo muito direcionado para as Belas Artes e, para seguir essa área, teria de ir para Lisboa. Não tinha condições financeiras nem emocionais para sair das Caldas e viver sozinho na capital.

Acabei por ficar nas Caldas trabalhei durante vários anos no Hospital das Caldas e só mais tarde comecei a explorar a moda por iniciativa própria, de forma autodidata, o que, na altura, ia um pouco contra a mentalidade dominante aqui.

 

J.C. – Quando deu os primeiros passos na moda e quantos anos tinha na altura?

P.B. – Sempre tive muito interesse pela moda, mas durante muito tempo achei que não era viável ou que não teria capacidade para seguir esse caminho. Devia ter uns 20 anos quando comecei a pensar mais seriamente nisso.

Na altura, já trabalhava no hospital e surgiu a ideia: “Porque não experimentar? Vamos ver o que as pessoas pensam do meu conceito estético, daquilo que gosto de criar e da minha visão sobre a moda.

Eu sempre gostei muito de arte, mas também gosto imenso de pessoas. A moda, para mim, acabou por ser uma forma de expressão que permite essa interação. Existe uma ligação bilateral: eu crio a peça, mas também penso em quem a vai usar, porque acredito que a pessoa pode transformar a peça, e a própria peça pode transformar a pessoa.

Considera que a moda não deve ser estática. Cada peça deve tornar-se ainda mais única através da intervenção de quem a veste.

 

J.C. – A sua ligação às Caldas influenciou de alguma forma a sua sensibilidade estética ou interesse pela moda?

P.B – Sim, o meu trabalho na moda começou nas Caldas da Rainha, mas sempre me senti um pouco desadaptado aqui. Acredito que isso tenha sido positivo, porque quando saí das Caldas e vivi noutra cultura, fui confrontado com diferentes experiências. Portugal, na altura, estava muito diferente do resto da Europa, e eu acompanhei essa evolução ao longo dos anos.

Foi nas Caldas que iniciei a minha criatividade e comecei realmente do zero. Não me posso queixar: tive alguma aceitação, algumas pessoas acompanharam o meu trabalho, e acabei por chegar à imprensa nacional e à televisão, algo que inicialmente nunca imaginei. Em Portugal, muitas vezes os lobbies são muito fechados, mas aprendi a sentir o país, enquanto na Alemanha aprendi a observar e em Inglaterra a transformar.

Carrego comigo três ritmos, três linguagens, três espelhos. E agora, como quem volta e avança ao mesmo tempo, preparo-me para revisitar uma parte de mim — não como era, mas como me tornei.

 

J.C. – Antes de se dedicar ao design de moda, trabalhou no Hospital das Caldas. Como foi essa fase da sua vida e que aprendizagens retirou dessa experiência?

P.B. – Nos últimos anos antes de me mudar para Inglaterra trabalhei no Museu do Hospital das Caldas, dando apoio administrativo e à direção, e participei no desenvolvimento de vários projetos, o que foi uma experiência muito interessante.

Mas antes disso trabalhei durante 10 anos em Oncologia, como secretariado clínico. Com esse currículo, pensei que o caminho mais óbvio e seguro seria continuar nessa área. Foi uma fase importante, porque me ensinou disciplina, organização e, acima de tudo, a lidar com pessoas em momentos delicados, aprendizagens que acabaram por influenciar a minha forma de trabalhar e a minha sensibilidade na moda. As minhas criações representam o compromisso com a promoção da saúde mental e do bem-estar que é verdadeiramente inspirador.

 

J.C. –  Em que momento decidiu que era hora de deixar Portugal e viver no Reino Unido? Porquê?

P.B. – Em 2015 decidi que queria experimentar mais e procurar novas oportunidades. Surgiu a oportunidade e acabei por ir para Inglaterra.

Em Portugal, o mercado é pequeno e a competição é elevada, mas a diferença no Reino Unido é que há espaço para todo o tipo de pessoas e trabalhos. A competição lá obriga-te a melhorar, a fazer mais e a fazer melhor, em vez de simplesmente impedir que cheguemos a determinados sítios. Eu nunca pensei que chegaria à London Fashion Week — não é algo que planeasse, mas claro que sonhas.

Na altura nas Caldas trabalhava no hospital, a situação estava complicada, a parte financeira não progredia como eu pretendia, e a minha mulher que é enfermeira recebeu uma proposta de trabalho interessante no Reino Unido. Decidimos então experimentar. Inicialmente, não tinha intenção de trabalhar na moda, mas comecei a enviar alguns e-mails para eventos de moda, só para conhecer os bastidores e perceber como funcionava lá fora.

Vivia e continuo a viver em Leicester, e descobri que também tinham uma semana de moda. Sem coleção definida, decidi participar com algumas peças que já tinha. No desfile, fui surpreendido: alguém me abordou a perguntar qual era o meu MOC – Minimum Order Commitment (quantidade de peças que podia entregar), mostrando que havia mercado e interesse pelas minhas criações. Na altura, eu não tinha contactos, nem empresas a colaborar comigo, mas agradeci e deixei o contacto em aberto.

A partir daí, começou uma espécie de bola de neve. O apoio de imprensa, fotógrafos e profissionais do setor, mesmo sem me conhecerem pessoalmente, ajudou-me a ganhar visibilidade. Pouco tempo depois, recebi propostas para participar em eventos maiores, incluindo Los Angeles, e na London Fashion Week. Foi um processo inesperado, mas que me mostrou que vale a pena arriscar e aproveitar as oportunidades quando surgem.

 

J.C. –  Em 2023 recebeu o prémio Bespoke Fashion Designer of the Year, atribuído pelos Prémios da Indústria Criativa em Inglaterra. O que significou para si este reconhecimento?

P.B. – Quando fui proposto para designer do ano de 2023, pensei que fazia sentido dentro deste universo. Por outro lado, havia muitas pessoas que já estavam lá há mais tempo, inglesas, e eu só queria chegar aos últimos cinco nomeados, conhecer mais gente e perceber o que poderia acontecer. Nunca pensei realmente ganhar. Aliás, o meu discurso foi miserável, porque nem estava preparado aliás nunca pensei que fosse eu a ganhar.

Para mim, receber este prémio foi fantástico. Não vou ser hipócrita: claro que teria sido especial ganhar algo no meu próprio país, mas não foi possível, e isso não diminui o valor do reconhecimento. O mercado em Inglaterra é maior, mais dinâmico, e facilita a distribuição das minhas criações.

Pessoalmente, este prémio foi um impulso enorme. Mostra que, se consegui ganhar fora do meu país, estou no caminho certo. Abriu-me portas, alterou a forma como as pessoas me olham e proporcionou mais oportunidades de contacto com empresas e profissionais do setor. Basicamente, aumentou a minha visibilidade, a minha credibilidade e o potencial de investimento no meu trabalho.

 

J.C. –  Como foi a adaptação a um novo país, cultura e mercado de trabalho?

P.B. – Muita gente pensa que ir para o Reino Unido é trabalhar e ganhar fortunas. Não é bem assim. Em alguns casos ganha-se mais do que cá, mas para mim a questão não é o salário. O mais importante é a perspetiva. Em Inglaterra, se quiseres ser alguma coisa, tens oportunidades reais para progredir. Em Portugal, é quase impossível planear o futuro. Ali, se trabalhares, esforça-te e fores bom, consegues alcançar os teus objetivos.

A adaptação não foi só cultural, mas também prática. Continuo a trabalhar no hospital, três dias por semana no Glenfield Hospital, em Leicester, que pertence a um grupo de três hospitais na mesma cidade — e dedico os outros quatro dias totalmente à moda. É um equilíbrio que me permite manter o contacto com a área da saúde, onde aprendi tanto, e ao mesmo tempo desenvolver o meu trabalho criativo.

O sistema de saúde lá é completamente diferente do que conhecia em Portugal. Por exemplo, a urgência do hospital central atendeu em 2023 cerca de 2,8 milhões de doentes. Há falhas, claro, como falta de médicos, enfermeiros e técnicos, mas a gestão e a organização permitem que o trabalho flua de maneira mais estruturada.

 

J.C. – Já que trabalhou muitos anos no Hospital das Caldas e atualmente no Glenfield Hospital em Leicester, o que acha agora da localização do novo Hospital do Oeste?

P.B. – Para mim, é sobretudo uma questão de organização. Pessoalmente, faria mais sentido que o hospital estivesse nas Caldas.

A experiência em Inglaterra mostra que a descentralização funciona muito bem. Aqui, mesmo organismos públicos ou institutos de referência estão distribuídos pelo país, e não concentrados numa só cidade como Londres. Por exemplo, no Glenfield Hospital, que tem uma unidade cardíaca de referência está a cerca de 150 km da capital, e a unidade de neurologia mais importante situa-se em Birmingham, com mais investimento e investigação. Não está tudo concentrado numa cidade grande, e isso funciona.

A descentralização, na minha opinião, favorece não só a população, garantindo melhor acesso a serviços, como também a economia local. É algo que Portugal poderia aproveitar mais.

 

J.C. –  O que distingue o seu trabalho e estilo enquanto designer?

P.B. – Eu criei um universo estético próprio, baseado no que gosto e acredito que funcione. Não pretendo agradar a toda a gente, mas ser honesto comigo mesmo. Para mim, a moda tem de ter veracidade: se me sinto bem, o estilo é mais suave ou romântico; se estou revoltado, crio algo ousado, provocante, que desperte uma reação no público.

O mais importante é a interação entre a roupa e a pessoa. Gosto que as minhas peças permitam à pessoa expressar-se, sentir-se confortável e ao mesmo tempo refletir a sua personalidade. Posso fazer uma coleção temática se tiver um trabalho específico, mas por norma as minhas coleções sou eu, de alguma forma. Quem me conhece reconhece a minha presença nelas porque é uma extensão de mim. A minha inspiração pode vir de experiências, lugares ou sentimentos, e tento transpor isso para cada criação.

Ser honesto significa criar para a pessoa que veste a peça, e não apenas seguir tendências ou marcas de prestígio. O auge de qualquer peça é sempre a pessoa que a usa.

 

J.C. – Quais são os próximos desafios ou projetos em que está a trabalhar?

P.B. – Neste momento estou a desenvolver a minha marca, a Pedro Batim. As pessoas podem contactar-me para vestidos personalizados, e tenho alguns clientes e marcas interessadas. No entanto, a minha intenção é encerrar esta marca no Caldas Fashion organizado pelo Jornal das Caldas e que vai decorrer a 22 de novembro no grande auditório do CCC, como uma forma de terminar um ciclo. Aceitei participar no desfile porque faz sentido fechar esta etapa nas Caldas da Rainha, agradecer à minha cidade e preparar o terreno para um novo projeto.

O próximo projeto vai ser diferente: vai ter outra marca, sem usar o meu nome. As peças vão contar a minha história, refletindo experiências e perspetivas minhas, mas terão um prazo de vida limitado. Se não forem adquiridas, ficam em arquivo para exposição em galerias, escolas ou outros fins positivos.

Cada peça será extremamente restrita, existindo apenas uma no mundo de cada criação e terá apenas um ano para ser adquirida. Se não for comprada nesse período, passa automaticamente para o arquivo histórico da marca e não sairá mais dali. Quero criar peças com sentido, contra o consumo excessivo do fast fashion, produzindo menos, mas de forma justa, com qualidade e história.

É importante que quem adquire uma peça valorize não só a moda, mas também a história, o processo e o conceito que está por detrás de cada criação.

 

J.C. – O que vai mostrar no Caldas Fashion?

P.B. – Vou regressar às Caldas de forma intencional para participar no evento e com muito prazer, e agradeço o convite. Olhando para todo este processo, que a maioria das pessoas desconhece, faz sentido voltar e mostrar algumas das minhas peças e o trabalho que tenho desenvolvido até agora, antes de apresentar o próximo projeto. Foi muito interessante perceber como tudo se organizou de forma natural, sem preparação, e o convite acabou por surgir na altura certa. Tenho a certeza de que vai ser espetacular.

 

J.C. –  Quem é Pedro Batim?

P.B. – Isso não é fácil de responder. Sou alguém permanentemente inconformado, que se põe sempre à prova. Os obstáculos nunca me assustaram — pelo contrário, sem eles a vida seria monótona. Tento ser honesto comigo mesmo em tudo o que faço, seja no hospital, no museu ou a criar uma coleção. O meu crescimento veio dessa vontade de não seguir rebanhos, de procurar o meu próprio caminho.

Mas, acima de tudo, sou alguém que se liga às pessoas. Por isso volto sempre às Caldas da Rainha, independentemente de onde esteja. Gosto das memórias, da cidade, mas o que realmente me atrai são as pessoas: os amigos, a família, a energia de quem me rodeia. Na moda, é a mesma coisa — o que me move não é criar roupas para provar algo, mas observar, interagir e sentir a reação das pessoas.

No fundo, sou isto: alguém que se desafia constantemente, que valoriza a autenticidade e que encontra nas pessoas a maior inspiração para viver e criar.

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