Apaixonada por histórias, artesanato e antigos saberes, e neta de duas costureiras, Diana Almeida descobriu no voluntariado uma forma de ajudar os outros. Foi isso que apaixonou a ex-consultora de marketing, que vivia até há dois anos em Lisboa, e levou-a a desenvolver este projeto. Na altura a caldense, que estudou marketing e publicidade no IADE – Creative University, em Lisboa, estava a trabalhar numa consultora ligada à sua área mas como “aquilo era muito puxado” optou por fazer voluntariado, de modo, a “libertar e aliviar a cabeça”, na Refood em Lisboa. “E foi aí que me deu o clique”, sublinhou Diana Almeida, esclarecendo que “aquelas horinhas por semana mudaram a minha vida”.
A jovem, que admite “nunca ter ligado a essa parte social”, percebeu que “ajudar os outros era realmente aquilo que gostava de fazer e que me motiva”.
Esse “clique” fê-la repensar na vida que tinha, quando chegou o momento de renovar o contrato. “Decidi que não era isso que eu queria fazer o resto da minha vida”, referiu, adiantando que “estar fechada num sítio não tem nada a ver comigo”. Mas antes de enveredar pela “Fazenda”, a jovem decidiu fazer “um ano sabático”, em que aproveitou para terminar a tese de mestrado e fazer tudo aquilo que sempre quis mas que nunca conseguiu.
Entre os cursos ligados à cozinha, costura, aguarela, entre outros, e uma viagem sozinha durante um mês pelo continente asiático, Diana também aproveitou esse ano para “fazer uma coisa diferente”, como percorrer as várias feiras da região para tentar vender tudo aquilo tinha em excesso em casa dos pais, que se iam mudar para um apartamento mais pequeno.
Nessas mesmas feiras, a jovem começou a perceber que havia pessoas que “tinham um bom produto e uma boa técnica, mas depois não sabiam vender”. Ou seja, “eram pessoas que confecionavam os seus próprios produtos, como uma simples compota caseira ou um bordado, e que frequentavam essas feiras para divulgar o produto, mas que depois não sabiam vender”. Aliás, segundo a jovem, a maioria desses feirantes nem sequer marca tinha.
“Uma coisa engraçada que aconteceu quando eu ia a essas feiras, era que perguntava-lhes porque não tentavam vender esses produtos na internet, e eles respondiam-me: oh menina eu sei lá fazer isso”, contou a jovem. Essas respostas fizeram com que Diana pensasse na possibilidade de “criar algo que pudesse resultar”, onde juntava a técnica dessas pessoas ao seu lado de marketing e gestão de marcas, numa “só plataforma”.
A ideia fê-la arregaçar ainda “mais as mangas” e pegar nos dez mil euros que recebeu de apoio do programa “Empreende Já” do Portugal2020, no qual participou e ganhou, para implementar a “Fazenda”.
5% do valor dos produtos reverte para os “Fazendeiros”
Nasceu em dezembro do ano passado e existe para apoiar, dinamizar e comunicar pequenos projetos comunitários através da criação de uma marca global e transversal a todos os artesãos. Além disso, este projeto social pretende promover a inclusão social e a democratização do trabalho, bem como comunicar e apoiar o artesanato português, incentivar e apoiar o empreendedorismo sénior, partilhar e trocar conhecimentos intergerações, e ainda aumentar os rendimentos e a autonomia dos mais velhos.
Mas afinal como funciona? “Simples”, contou Diana, esclarecendo que dirige-se às pessoas, a que apelidou de “artesãos”, que podem ser profissionais ou entusiastas, propondo-lhes o projeto, e posteriormente, “se elas aceitarem coloco os seus produtos à venda na ‘Fazenda’ com uma percentagem”.
Além de ajudar todas as pessoas, mesmo as que usam o seu saber como passatempo ou para obter um rendimento extra, a “Fazenda” tem como base uma causa social, e por isso, 5% do valor dos produtos dos artesãos reverte diretamente para os “Fazendeiros”, pessoas que vivem em situações precárias, com baixas reformas e rendimentos, em centros de dia e não só, que na “maioria das vezes não tem dinheiro que chegue para pagar os medicamentos”.
Ao mesmo tempo, a “Fazenda” também proporciona aos seus “Fazendeiros” a oportunidade de aprenderem novos conhecimentos e relembrarem os quase esquecidos, impulsionando o empreendedorismo sénior e dinamizando a economia local. Ou seja, “esse é o lado giro da coisa, em que os ‘Fazendeiros’ quando são desafiados de forma positiva conseguem realmente surpreender os mais novos e aí tudo o que for vendido no site vai diretamente para eles”.
Neste momento, os “Fazendeiros” são os idosos da Associação Recreativa e Cultural Amigos da Capeleira e Navalha, um dos centros de convívio Melhor Idade, no concelho de Óbidos. Esta oportunidade surgiu através de uma parceria com o Espaço Ó, que “mostrou-se muito recetivo ao projeto social”.
Para já é o único centro de convívio que Diana visita regularmente, e quando tem “uma folga”, entre os seus trabalhos como freelancer reúne-se com os seus “Fazendeiros”. Ao todo são 14 mas aqueles que põem realmente a “mão na massa são apenas cinco”, a D. Arminda, D. Dionísia, D. Dita, D. Maria Eugénia e a D. Maria Lurdes.
A jovem espera que um dia possa vir abranger lares e instituições sociais das Caldas da Rainha.
Durante o tempo que lá passa, Diana conversa com os idosos e dá-lhes “coisinhas novas para eles fazerem”. E a reação deles, segundo a jovem, é “muito engraçada”.
Tem pedido aos seus “Fazendeiros” para bordarem frases em bastidor. “Isso para eles é muito giro, pois a maioria não sabe escrever”, disse a caldense, adiantando que para “eles estarem a bordar letras, não é a mesma coisa que é para nós. Para eles é muito diferente e especial. E na maioria das vezes até me perguntam: “Oh menina mas o que é que diz aqui?”. E isso “tão giro”, salientou. A maioria são idosos com mais de 70 anos.
Igualmente aproveita para dar alguma consultoria aos artesãos, de modo a “confecionarem algo que está na moda e diferente”. Como é o caso do senhor Jacinto, que já perdeu a conta às operações que fez, mas que nem isso lhe tira a vontade de criar coisas novas, como um tacho em madeira.
O nome “Fazenda” adequa-se perfeitamente ao que fazem, numa alusão aos tempos passados nas fazendas a trabalhar. “Também é um nome forte, pois é a nova fazenda deles”, sublinhou.
Neste momento, a jovem ainda encontra-se a angariar artesãos.
Os vizinhos da “Fazenda”
Este projeto também engloba outros elementos, os chamados “vizinhos da Fazenda”. Nessa categoria estão inseridos os novos artesãos, artistas e designers, que utilizam técnicas antigas mas que fazem produtos inovadores e diferenciados. Além disso tentam olhar de forma diferente para os objetos normais do quotidiano, aliando a sustentabilidade a um forte cariz cultural.
Outro objetivo é que os vizinhos apoiem e desafiem os artesãos mais velhos a criarem produtos diferentes, com origens antigas mas adequadas a um novo mercado. Entre eles estão jovens artistas caldenses, como o ilustrador João Olivença, o pintor Filipe Ribeiro e Ruben Silva.
Para a jovem, “a Fazenda envolve três ideias, que na verdade fazem um match perfeito, e que tem tudo a ver com artesanato e entreajuda”.
Apesar de o negócio ir correndo de feição, a Fazenda atualmente é apenas “um passatempo”, que “não tem qualquer rendimento, o que não faz mal”, pois traduz realmente aquilo que Diana gosta de fazer. Destacou ainda que “se não fosse o voluntariado, se calhar hoje em dia estava infeliz num trabalho das 9h as 17h”.
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