A partir daí, acho que é indubitável que no nosso país o Festival da Canção ganhou uma dimensão marcante no mundo da música. Vimos artistas como a Maro, Iolanda ou, mais recentemente, os Napa passarem para outro patamar nas suas carreiras. E tanto o Festival da Canção como a Eurovisão têm sido símbolos da inclusão de diferentes estilos de música e de pessoas.
Mas tudo pode estar prestes a mudar. Vários países participantes da Eurovisão já anunciaram o boicote em forma de protesto à participação de Israel. Estes países consideram que a presença de Israel é uma ofensa para o resto da Europa, dado o conflito com a Palestina.
Por cá, a RTP confirmou a presença de Portugal na Eurovisão, mas, até agora, 17 artistas portugueses afirmaram não representar o país em caso de vitória no Festival da Canção. Até o vencedor de 2024, Nemo, devolveu o prémio em protesto.
A questão que me causa indignação é acharmos que Netanyahu ficará tão incomodado com uma exclusão de Israel que irá parar os ataques para poder ouvir uma música.
E será que daria algum alento aos palestinianos ver tão severo castigo sobre Israel? Imaginamos um cidadão de Gaza, ao ver a sua casa em ruínas e a sua família morta, gritar em protesto: “malditos israelitas, vão pagar por tudo o que fizeram quando forem impedidos de cantar na Eurovisão.”
Sabemos também que a Eurovisão é alvo de muitas críticas quando os artistas se focam mais nas roupas, cabelos e pirotecnia da sua atuação que por vezes é difícil ouvir a música. Se excluirmos países por estarem envolvidos na guerra não será um argumento a favor da guerra para que acabe de vez a Eurovisão?
Numa altura em que se fala de uma possível guerra que inclua todos os países da Europa para algumas pessoas pode ser um alívio porque é sinal que não haverá Eurovisão. Temo que se esteja a confundir as coisas. Os artistas de Israel têm direito a participar, visto que podem nem estar de acordo com as ações de Netanyahu. Ninguém perguntou aos Napa se concordam com todas as medidas de Montenegro antes de participarem no certame.
Imagine a reação do mundo se a Alemanha nazi fosse condenada no julgamento de Nuremberga a não participar na Eurovisão durante sete anos. Iria abrir um precedente perigoso, em que hoje os líderes de países não temeriam invadir outro país só para não terem de ver músicos com uma cabeça de cavalo enquanto sopram colunas de fogo e se ouve música que também pode ser usada para tortura.
Posso estar a fazer julgamentos precipitados, mas com menos ruído visual e agora também político, talvez todos conseguíssemos ouvir a música.










