Criado núcleo de planeamento e intervenção para apoiar pessoas sem-abrigo

4 de Junho de 2025

Foi oficialmente constituído o Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem Abrigo (NPISA) do concelho de Caldas da Rainha com o objetivo de assegurar uma resposta coordenada, eficaz e integrada às necessidades das pessoas em situação de sem-abrigo no concelho.

A criação do NPISA resulta do compromisso conjunto de diversas entidades públicas e privadas locais com a Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem Abrigo 2025-2030. A cerimónia de assinatura do protocolo de parceria realizou-se no dia 28 de maio no Hospital Termal, para implementar medidas concretas que visam oferecer apoio e soluções eficazes para as pessoas em situação de sem-abrigo em Caldas da Rainha.

Sara Costa e Silva, psicóloga da Associação Viagem de Volta e coordenadora do NPISA de Caldas da Rainha, destacou a importância deste passo no combate à exclusão social. “Já existem 37 NPISA a nível nacional e o que se pretende é que haja um núcleo por cada concelho, sempre que existam entidades com capacidade de intervenção no terreno”, explicou.

O NPISA de Caldas da Rainha reúne representantes de áreas-chave como a Câmara, Segurança Social, a saúde, o emprego, as forças de segurança, Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD), Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e outras entidades da rede social.

A coordenadora do NPISA explicou que este núcleo resulta de uma candidatura da Associação Viagem de Volta apresentada em 2021, do projeto Caldas + Inclusiva 2.0, que visava trabalhar no terreno com pessoas em situação de sem-abrigo.

“Uma das atividades previstas no projeto era precisamente a criação do NPISA de Caldas da Rainha. A constituição oficial foi aprovada a 10 de janeiro de 2024 e desde essa data que temos vindo a trabalhar em conjunto com as restantes entidades, mesmo antes da assinatura formal do protocolo”, referiu.

Segundo Sara Costa e Silva, o NPISA foi estruturado com base em dois grupos: um grupo estratégico, que inclui representantes de todas as entidades envolvidas, e um grupo operacional, composto por cinco instituições com intervenção direta no terreno – a Associação Viagem de Volta, Município das Caldas, Segurança Social, ICAD e Unidade Local de Saúde (ULS).

“Cada entidade do grupo estratégico nomeou um técnico responsável, que participa nas reuniões e garante a articulação entre serviços. O grupo estratégico reúne-se trimestralmente, enquanto o grupo operacional se encontra todos os meses para preparar documentação, debater casos concretos e articular as intervenções”, descreveu.

“Cada grupo assume responsabilidades. No grupo estratégico, partilhamos experiências e ajustamos estratégias, enquanto o grupo operacional permite uma intervenção mais próxima e ágil junto dos utentes”, adiantou.

Outro instrumento essencial ao funcionamento do NPISA é a plataforma digital de referenciação, usada por todos os núcleos a nível nacional.

 30 sem-abrigo sinalizados nas Caldas

A psicóloga disse que atualmente o concelho de Caldas da Rainha tem cerca de 30 pessoas sinalizadas em situação de sem-abrigo. “É importante lembrar que esta definição abrange tanto pessoas sem teto que dormem na rua como pessoas sem casa, que vivem em condições precárias, sem uma habitação permanente ou adequada”.

Desde o início de 2023 foi realizado um diagnóstico local da população em situação de sem-abrigo no concelho. A maioria (75%) encontrava-se sem teto, ou seja, a viver em condições extremamente precárias, como edifícios devolutos, barracas ou mesmo em viaturas, sem qualquer tipo de salubridade.

“Foram ainda identificadas sete pessoas em situação de sem casa, o que corresponde a 18% da amostra. Temos dois utentes em alojamento de transição, dois a cumprir pena de prisão, um num quarto alugado, outro numa pensão e um último num Centro de Apoio e Emergência Social (CAES)”, relatou Sara Costa e Silva.

“Trata-se, maioritariamente, de homens entre os 21 e os 44 anos, solteiros e oriundos de outros municípios. “Estamos a falar de pessoas desempregadas, muitas delas beneficiárias de Rendimento Social de Inserção ou de Prestação Social para a Inclusão, e com outras formas de rendimento informal como a prostituição, o tráfico de substâncias psicoativas ou o exercício de arrumadores de carros”, indicou.

A coordenadora destacou ainda que a maioria destas pessoas está nesta condição há entre um a cinco anos, apresentando, na sua maioria, comportamentos aditivos e problemas de saúde mental frequentemente associados ao consumo de substâncias. “Estas duas problemáticas, dependências e saúde mental, sobrepõem-se muitas vezes e tornam o acompanhamento mais exigente”, contou.

O trabalho no terreno tem vindo a intensificar-se com o projeto Caldas + Inclusiva 2.0, promovido pela Associação Viagem de Volta, que conta com gestoras de caso diretamente afetas ao NPISA. “É através deste projeto que conseguimos dar corpo ao núcleo em articulação com o Município, que também disponibiliza uma técnica para integrar a equipa”, afirmou.

A abordagem é direta e próxima. “Realizamos giros de rua, pelo menos duas vezes por semana, e uma vez por mês fazemos giros noturnos com o apoio da PSP. É nestes momentos que sinalizamos novas situações e tentamos estabelecer uma relação com as pessoas. E esse primeiro contacto nem sempre é fácil. A maioria não quer ajuda, diz que não precisa de nada. Estão muito cansados, muito descrentes das instituições”, salientou.

Sara Costa e Silva sublinhou que a chave é a persistência e o vínculo humano. “Precisamos de estar com eles. De os conquistar, de forma individual, com tempo. Às vezes, a maior vitória é conseguirmos que alguém vá a uma consulta, que faça um exame, que aceite um encaminhamento para os serviços de dependências. Neste momento temos dois utentes em comunidade terapêutica, e uma utente internada no serviço de psiquiatria, a aguardar transferência para uma unidade de longa duração. Ainda fazem parte do grupo que acompanhamos, porque continuam no processo”, referiu.

A coordenadora adiantou ainda que o intuito é “ajudar cada pessoa a definir um projeto de vida, mas respeitando o seu ritmo, as suas escolhas”. “Nem todos querem mudar, pelo menos não de imediato. Muitos já foram tantas vezes desiludidos, inclusive pelos próprios serviços, que hoje têm uma resistência enorme. Dizem-nos: Se são de algum serviço, não queremos nada convosco.’ E o nosso trabalho é também desconstruir esta desconfiança”, frisou a psicóloga.

Paralelamente, o NPISA tem vindo a reforçar a intervenção ao nível da prevenção e da sensibilização junto da comunidade. “Temos apostado na informação, sobretudo nas escolas. Estivemos recentemente na Escola D. João II, onde dinamizámos sete sessões de sensibilização sobre esta temática. Queremos combater os preconceitos, os rótulos, e mostrar que estas pessoas são mais do que a sua condição atual. É preciso humanizar, compreender e agir”, concluiu.

 Unidos contra a situação de sem-abrigo

Na cerimónia de assinatura do protocolo de constituição do NPISA das Caldas, o presidente da Câmara Municipal, Vitor Marques, destacou que o Município tem procurado dar o exemplo também na integração social de pessoas em situação vulnerável. “O Município tem assumido uma missão de integrar pessoas em situações de fragilidade, nomeadamente através de contratos de emprego apoiado, em articulação com o Centro de Emprego. Neste momento, temos mais de 50 colaboradores na autarquia provenientes de contextos tão diversos como a situação de sem-abrigo, doenças oncológicas ou toxicodependência”, referiu.

“Acreditamos que este é um dos caminhos. É preciso investir, é preciso tratar, e sabemos o quão difícil isso é. Porque, mais do que oferecer ajuda, é preciso que as pessoas estejam dispostas a recebê-la e nem sempre estão”, afirmou.

“Mesmo entre aqueles que conseguimos ajudar, muitos têm recaídas. Infelizmente, por cada pessoa que conseguimos tirar da rua, parecem surgir duas novas. É esta a realidade com que lidamos diariamente”, apontou.

Vitor Marques fez notar que este não é um problema exclusivo do concelho. “É uma preocupação nacional, mas cabe-nos, localmente, fazer tudo o que está ao nosso alcance. E respostas como o NPISA são fundamentais para isso. Representam visão, vontade e ação concreta no terreno”, afirmou.

O diretor do Centro Distrital de Leiria da Segurança Social, João Paulo Pedrosa, destacou a importância da constituição do NPISA nas Caldas da Rainha, defendendo que a “desigualdade combate-se com integração e com o apoio efetivo às pessoas em situação de vulnerabilidade, não com discriminação ou indiferença”.

João Paulo Pedrosa lembrou que o distrito de Leiria tem sido pioneiro na criação de estruturas de acolhimento de emergência. “Das 12 ou 13 estruturas existentes a nível nacional, oito estão no nosso distrito. Uma delas funciona aqui, nas Caldas da Rainha, na IPSS de Salir de Matos”.

Segundo o responsável, mais de 90% das pessoas acolhidas nestas estruturas têm conseguido integrar projetos de vida estáveis: “São pessoas em condições extremas de vulnerabilidade, mas que, com acompanhamento técnico, têm encontrado caminhos de integração e estão hoje em formação, empregadas ou em outros contextos de inclusão”.

Henrique Joaquim, coordenador nacional da Estratégia para as Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, destacou nas Caldas da Rainha o potencial do recém-criado NPISA local. “É um dos núcleos mais jovens, mas com tudo para dar certo, porque tem o poder autárquico, a sociedade civil e as entidades públicas verdadeiramente envolvidos”, afirmou.

Apontou como essencial a prevenção de novas situações de sem-abrigo, com base no conhecimento já acumulado. “Temos de inverter a tendência. Por cada dois casos resolvidos, não pode surgir mais nenhum novo”, sustentou.

Alertou ainda para a importância de um trabalho em rede, entre municípios e a nível regional. “Não basta um concelho dar resposta. Se Caldas, Leiria, Marinha Grande e Peniche atuarem em conjunto, o fenómeno da concentração diminui”, considerou.

 Papel ativo da polícia

O comandante distrital de Leiria da PSP, superintendente Domingos Antunes, sublinhou o papel da PSP na identificação e apoio a pessoas em situação de sem-abrigo. “Temos o dever de sinalizar. O polícia não pode ser insensível a estas situações”, afirmou.

Reconhecendo que, por vezes, surgem comportamentos desviantes ligados a situações de sem-abrigo, vincou que “a nossa missão não é prender, é prevenir. O nosso esforço é recuperar, é não desistir de ninguém”.

 

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