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Há uma embaraçosa multidão de portugueses, 40%, entre os 16 e os 65 anos, que não percebe nada que se lhe diga, a não ser frases do género «vai chover» ou «vai tu», lê mal e escreve pior e não sabe resolver problemas corriqueiros de aritmética. É o segundo pior resultado, entre 31 países analisados, apenas à frente de um correspondente grupo de chilenos.

Foi no passado dia 10 de Dezembro, que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) divulgou este triste resultado do “Inquérito às Competências dos Adultos de 2023”, no qual Portugal participou pela primeira vez. Na semana anterior, tinha sido publicado o relatório TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study), estudo realizado a cada quatro anos, revelando que os alunos portugueses do 4º e 8º anos pioraram significativamente a Matemática. É mais um reiterado alerta que nos diz que os jovens de hoje, futuros adultos, garantirão a nossa triste figura nos inquéritos internacionais e manterão Portugal longe dos índices de desenvolvimento dos países da UE. Mas quem se preocupa?

Quarenta por cento de analfabetos funcionais. Gente que foi à escola, mas não quis saber. Adultos portugueses com ensino superior que obtêm resultados inferiores aos dos adultos com ensino secundário na Finlândia. Só pouco mais de 7% dos portugueses inquiridos compreende frases “complicadas”, e apenas 4% revelam todas as capacidades de ler e interpretar textos longos e densos.

Como se chegou aqui?

Quem integra a engrenagem do nosso sistema de ensino sabe bem como se chegou aqui. Os professores, que são a extremidade a jusante, que têm como missão “operacionalizar” as (des)orientações ministeriais, interrogam-se, por exemplo, como é possível alunos que fazem todo o percurso escolar enquadrado pela chamada Educação Especial poderem integrar turmas dos cursos do ensino secundário regular. Pergunta retórica, claro. Pois como se pode contrariar o sofisma apatetado «o importante é que o meu filho seja feliz»? Estes alunos com ”Necessidades Educativas Especiais”, rotulados com a sigla NEE — nés, em escolês apressado —, contingente que aumenta a cada ano, mais de 78.000 em 2022, segundo a plataforma METIS, necessitam de professores de todas as disciplinas especializados nos variadíssimos problemas que os afectam. Como não há professores destes, os governos, em vez de despender verbas necessárias à sua formação e contratação, e à criação de turmas específicas, preferem confundir escola inclusiva com sala de aula inclusiva. E claro que não é suficiente, apesar de muito esforçado, o apoio ocasional de dois ou três professores por agrupamento de escolas, a saltitar entre turmas, apetrechados com um conhecimento sumário de problemas cognitivos e motores, obtido numa breve pós-graduação em Educação Especial. Os conselhos de turma defendem-se, adivinhando adaptações curriculares, em grelha de cruzes, qual totobola, passando sempre os nés. Estes alunos saem da escolaridade obrigatória mais ou menos como entram. Mas, não havendo verdadeira resposta para eles, passam sempre. E se estes passam, também não se corre o risco de chumbar os tradicionais cábulas, os nés da preguiça e da falta de atenção. E, não vá o recurso tecê-las, inflaciona-se preventivamente a avaliação da turma A dos que querem ir para medicina.

Este contínuo nivelamento por baixo tem o registo da anedota trágica, de que deixo aqui dois exemplos:

— Aula de Geometria Descritiva, turma do 10º ano, início deste ano lectivo. A meio de uma explicação que metia os inevitáveis planos horizontal e frontal de projecção, um aluno pergunta, agastado — O que é isso, horizontal? — Perplexo, o professor pede que alguém dê um exemplo de algo horizontal… Raro silêncio. Então, e algo vertical?… E frontal? E paralelo? E perpendicular? E oblíquo? Nada. Sem surpresa, no final deste 1º período lectivo, dois terços da turma teve negativa. Há que referir que os testes foram feitos só com enunciados de exercícios resolvidos nas duas aulas anteriores (não enunciados parecidos, mas os mesmos) e a maioria da turma teve zero. Sim, zero. Em Junho, estes alunos transitarão para o 11º ano? Ah, certamente! Querendo, alguns conseguirão compensar o essencial do imenso atraso. Há sempre essas excepções. Mas o que será determinante é que, até lá, haverá reuniões com os pais e «o importante é que o meu filho seja feliz».

— Num muito lisboeta café-restaurante da Avenida da República, alguém está a ler, sentado ao balcão, enquanto come uma refeição rápida. Outro cliente senta-se ao lado e, fascinado, exclama:

— Oh, é um livro? Sabe que também tenho um lá em casa?

 

Escrevo segundo o anterior acordo ortográfico.

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