Ao cabo de quase um decénio de negociações, aí temos, desde 14 de Maio, o novo Pacto das Migrações e Asilo da União Europeia.
O novo regulamento visa a triagem mais sumária e rápida dos perfis dos migrantes, procurando precaver situações enganosas e que atentem contra a segurança. Também foi acordado um sistema de solidariedade obrigatória (…) em que cada país da UE ou aceita receber migrantes ou paga uma espécie de compensação que vai financiar o sistema, para que não sejam apenas alguns países, como Itália, Grécia e Espanha, a suportar as pressões migratórias. Há também regras excepcionais para a chegada repentina de grande número de pessoas, como foi o caso dos refugiados da Síria, em 2015 e 2016.
Acontece que a maioria dos migrantes que chega à Europa vem por via aérea, com visto de turismo, e acaba por ficar. A braços sobretudo com migração económica, e incapaz de a regularizar em tempo útil, o Governo português decidiu adaptar o articulado do Pacto das Migrações e Asilo, para dar preferência a cidadãos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, e aceitar sem restrições jovens até aos 18 anos para reagrupamento familiar, jovens estudantes e trabalhadores qualificados.
Esta última preferência é desfasada da realidade, pois Portugal continuará desesperadamente a precisar de mão-de-obra que, na maioria dos casos, não tem necessidade de ser qualificada. A adaptação mais polémica, que apenas visa não perder demasiado terreno para a extrema-direita, e que não se coaduna com a necessidade maciça de trabalhadores não qualificados, foi acabar com a “manifestação de interesse”, que consistia no pedido de regularização mediante apresentação de comprovativo de emprego e respectivos descontos para a Segurança Social.
Agora, quem tiver entrado em Portugal como turista e queira cá ficar a trabalhar, não lhe basta ter arranjado um emprego e estar a contribuir para a Segurança Social (como a maioria dos mais de 400 mil que aguardam autorização de residência), terá de sair do país e pedir essa autorização nos postos consulares. Parece ser uma forma de afastar os imigrantes que tantos engulhos causam à extrema-direita e aos xenófobos e racistas em geral, como nepaleses, paquistaneses, bangladechianos e muitos outros não caucasianos de proveniência longínqua, em cujos países ou não há consulado ou é praticamente inacessível.
A Europa rica — com uma população envelhecida e níveis de instrução mais elevados e com bons sistemas de protecção social, levando muitos europeus a não aceitar determinados trabalhos — tem grande necessidade de mão-de-obra não qualificada para indústrias e serviços, urgência que não se compadece com receios e preconceitos primários.
É paradigmático o caso da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, que se fez eleger à custa de um desbragado discurso anti-imigração, mas está a permitir a entrada de mais imigrantes do que qualquer primeiro-ministro italiano anterior. E propôs até a legalização de meio milhão de imigrantes indocumentados. Tal só acontece, claro, por ser fortemente pressionada pelos empregadores que necessitam desses imigrantes para trabalhar.
A par de Portugal, a Itália é dos países mais envelhecidos da Europa, e é inevitável que, para manterem os padrões de produtividade, agora e no futuro, necessitarão de um fluxo contínuo de mão-de-obra estrangeira. Meloni foi, por isso, obrigada a meter no saco os preconceitos xenófobos e racistas e a ser pragmática. O nosso racista/xenófobo/populista-mor, que ainda não tem funções que o obriguem a pragmatismos, lá foi a Madrid, à convenção da extrema-direita, contribuir com as habituais achas demagógicas para a polarização das sociedades pelo medo e desconfiança dos outros, vociferando em portunhol, genuflexão sempre ridícula, que a Europa é nossa e temos de a defender dos imigrantes não brancos, que nos vêm substituir e às nossas tradições.
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