Dias antes da COP26 (Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas), em Glasgow, a ONU apontou Madagáscar como estando a sofrer a primeira grande crise de fome no mundo relacionada com as alterações climáticas. Ao cabo de cinco anos de seca no Sul do país, as projecções do clima apontam para estios ainda mais severos. 91% já vive abaixo do limiar de pobreza.
O bispo português de Mananjary (cidade da costa Este da ilha, a 600 quilómetros da capital Antananarivo), D. José Alfredo Caires, reporta que a produção de alimentos básicos, como arroz e mandioca, passou a ser inviável e o gado emagrece e morre; agravando as consequências da seca prolongada, persistem os incêndios da desflorestação e houve uma praga de gafanhotos em 2020 que destruiu as poucas plantações que ainda resistiam; as pessoas tiveram de se alimentar dos gafanhotos, mas a praga foi controlada com químicos que se revelaram fatais para o organismo humano, acentuando o caos sanitário; mesmo os cactos, endémicos no Sul, cujas folhas, depois de queimados os espinhos, constituem um último recurso alimentar para pessoas e animais, estão a secar e a desaparecer; as populações do Sul procuram agora vender as casas, os terrenos e o gado para poderem subsistir; 20% das crianças sofre de desnutrição, segundo a UNICEF; compelidas a migrar para o Norte do país, estas populações acabam por se organizar em bandos para assaltar e roubar.
Jacobabad, cidade de 200.000 habitantes no Sul do Paquistão, tornou-se praticamente inabitável, com temperaturas a ultrapassar regularmente os 50°C e níveis de humidade insuportáveis para o corpo humano.
No Sul de Angola, a seca severa também põe em causa a sobrevivência de quem vive da pastorícia e criação de gado.
O Lago Chade está sob enorme pressão, por cada vez mais gente se fixar nas suas margens, em busca de sobrevivência. Mas a perda de água e peixe em breve fará estas pessoas engrossar a multidão de refugiados climáticos.
Um pouco por todo mundo fazem-se sentir consequências trágicas de mudanças climáticas demasiado rápidas. E são aqueles que menos poluem, por ainda terem modos de vida simples, pautados pelo ritmo da Natureza, quem mais sofre. E assim continuará, pois na cimeira de Glasgow apenas houve coragem para um suave apelo ao fim do uso do carvão, tornando mirífica a redução de 45% das emissões de carbono até 2030, já acordada em 2015 na COP de Paris.
Entre a ausência de alguns dos maiores poluidores e as boas intenções dos participantes, a UE prometeu em Glasgow apoios de mais 4,3 mil milhões de euros para a adaptação às alterações climáticas e à transição energética dos países mais pobres. Mas, já há seis anos, em Paris, acordou-se um fundo de 100.000 milhões anuais, sem resultados visíveis. Populações como as de Madagáscar, Angola ou Paquistão continuarão abandonadas. Não conhecem estes fundos nem sabem como os obter. Entretanto, as economias continuarão a depender em mais de 80% dos combustíveis fósseis. Perante a actual escassez, Xi Jinping anunciou a reabertura de minas de carvão, e Joe Biden exortou a OPEP a baixar o preço dos combustíveis.
É consabido que nenhuma sociedade desenvolvida funciona sem energia abundante a preços acessíveis. O que faz revoltar os povos e derrubar governos não são problemas ambientais, mas o empobrecimento que resulta do aumento dos custos da energia e dos bens essenciais. Para os governos, enquanto o modelo económico vigente for o mais rentável, a economia verde, a correcção de hábitos poluidores e o alcance de metas terão de esperar. Para os povos, essa espera será cada vez mais conturbada. E impaciente.
Artigo sem acordo ortográfico
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