“A minha vida é fazer”
Com 63 anos, é uma figura incontornável da vida cívica e associativa das Caldas da Rainha. Fundador e presidente da Ordem do Trevo, associação de solidariedade para famílias carenciadas há 13 anos, José Viegas acumula ainda diversas funções: é o coordenador da nova secção de Ténis de Mesa do Caldas Sport Clube, vice-presidente da Federação Portuguesa de Ténis de Mesa, com responsabilidades na área financeira e nas seleções nacionais, diretor dos Dragões do Oeste e secretário-geral do PSD das Caldas da Rainha.
Para além de tudo isto, está prestes a lançar o seu segundo livro.
Jornal das Caldas – Com tantos projetos em mãos, o que o move?
José Viegas – Fazer coisas. Aquilo de que mais gosto é estar ocupado. Gosto do meu espaço de solidão, de ler e de escrever, mas sobretudo gosto de fazer. E a minha vida tem sido isso mesmo: vontade de concretizar, de realizar. Se é algo que me acrescenta ou onde posso dar um contributo positivo, então estou lá.
JC – Foi esse impulso que esteve na origem da Ordem do Trevo?
JV – Sim, nasceu desse ímpeto de fazer, de transformar, de realizar. Na altura, disseram que era uma ideia megalómana. Hoje, está concretizada. Apoiamos 70 famílias, mais de 350 pessoas, entre as quais cerca de 104 crianças. E esse apoio passa por alimentos, vestuário, acompanhamento escolar, oferta de material escolar, prática desportiva gratuita no Caldas SC, na Associação Nadar, no Sporting Caldas, entre outros, e ainda apoio médico a cerca de 12 crianças no Montepio Rainha D. Leonor, em várias especialidades.
Tudo isto só é possível com uma rede alargada de parcerias. É a comunidade que se junta a esta causa nobre. Estabelecemos acordos com a Farmácia Rosa, Farmácia Caldense, Farmácia de Santa Catarina, com a Clínica AMO do Dr. João Paulo Cunha, que em parceria com a OneSight ofereceu consultas e óculos a crianças com necessidade. Eu chamo-lhes “parcerias positivas” – empresas e instituições que não ficam indiferentes à realidade e não hesitam em colaborar.
Hoje temos parcerias com inúmeras entidades: Jornal das Caldas, CRD Rainha D. Leonor, CCAM, ACCCRO, McDonald’s, Caldas SC, Sporting Caldas, Continente, Grupo Fábrica, Gazeta das Caldas, Transwhite, Óptica Correia, Grupo O Litro, Banco Alimentar, Masilfrutas, Agrupamento de Escolas Raul Proença, entre outras. E ainda há quem, sem protocolos, esteja sempre pronto a ajudar. É assim que conseguimos apoiar tantas famílias – um trabalho nosso, sim, mas também da comunidade.
Todas as semanas recebemos novos pedidos. Pessoas que chegam da Venezuela, de África, com expectativas de uma vida mais fácil, que pensavam encontrar emprego e casas acessíveis. Muitas vezes, contam com a ajuda de um familiar durante dois ou três meses, até o dinheiro acabar. E depois?
Costumo dizer que calço os sapatos do outro. E se fosse eu a chegar a um país sem trabalho nem dinheiro? Não gostaria de ter um local onde me apoiassem, onde houvesse comida para os meus filhos?
JC – Sempre em regime de voluntariado. Quantos voluntários têm atualmente?
JV – Sempre. Exclusivamente voluntariado. Contamos com cerca de 25 voluntários. Uns preparam os 70 sacos de alimentos (e mais alguns de reserva), outros recolhem produtos junto das empresas, outros ainda fazem entrevistas e registos. Somos uma família, com gente jovem e menos jovem, todos unidos por uma vontade comum de ajudar quem mais precisa. O ambiente é saudável, e só assim se mantém uma associação a funcionar durante tantos anos.
Há também quem venha como voluntário para ocupar os dias, mas em situações de fragilidade emocional e necessidade de contacto humano. Pouco tempo depois, parecem rejuvenescidos. Sentem-se úteis, encontram propósito. Temos vários exemplos assim e muitas manifestações de carinho por parte dessas pessoas. É um compromisso sério e de grande responsabilidade.
JC – Recentemente conseguiram uma sede própria.
JV – Era uma ambição antiga. Nos últimos tempos, estivemos na Expoeste, a quem agradeço profundamente – tanto aos colaboradores como à AIRO, e em especial ao meu amigo António Marques, sempre atento às nossas necessidades.
Depois de conversarmos com o presidente Vítor Marques, encontrámos uma solução que agradou a todos. Agora estamos na Rua da Jouriça, num espaço bonito e amplo, onde podemos trabalhar com tranquilidade, atender as famílias, organizar os alimentos, roupa e material escolar. É mais uma dessas parcerias positivas, desta vez com o Município.
JC – A Ordem do Trevo realiza também várias iniciativas em conjunto com o Jornal das Caldas…
JV – Sim, e com muita qualidade. Recordo a última conferência sobre diabetes, com oradores de excelência. Já apresentámos livros da escritora Francisca Gama, fizemos colóquios, com o Pedro Vieira, com cerca de 500 pessoas no grande auditório do CCC. Estamos a preparar uma conferência sobre Saúde Mental, um tema muito atual.
A Ordem do Trevo já se afirmou nas Caldas da Rainha. Somos parceiros ativos em tudo o que possa contribuir para melhorar a qualidade de vida da população. Se for para acrescentar, contem connosco.
JC — José Viegas foi eleito, no final do ano passado, para a Vice-Presidência da Federação Portuguesa de Ténis de Mesa. Trata-se de uma distinção honrosa, não só para si, como também para a cidade. Foi atleta de alto nível, considerado um dos melhores do país, com um palmarés impressionante. Caldas poderá voltar a ter grandes equipas?
JV- Sim, em novembro concorremos numa lista de amigos, antigos dirigentes e praticantes e vencemos as eleições. Estou com a área financeira e as seleções nacionais, numa modalidade onde tive uma boa carreira e onde me sinto bem.
Tem sido um trabalho árduo, mas interessante. Já estive como atleta em mundiais e europeus, tenho dezenas de internacionalizações e títulos nacionais. Joguei no FC Porto, Benfica, Sporting, Sporting das Caldas, Recreativo de Huelva de Espanha, portanto conheço bem a modalidade, os seus vícios e os seus anseios.
Temos uma equipa com um excelente líder e cada um tem as suas funções e trabalhamos muito em equipa. Tem sido um caminho duro em que 5 meses parecem 2 anos, mas com muito prazer e vontade de ajudar.
JC- No ano passado ainda foi campeão nacional, não foi?
JV- Sim, Tri-Campeão Nacional. Venci a prova individual, a de pares e de equipas, jogando por prazer e para me divertir.
JC- Voltar a ser campeão nacional, agora em veteranos, continua a ser um feito notável?
JV- Sim e deu-me imensa alegria e felicidade. Preparei-me durante cerca de um mês para essa prova (já não jogava há algum tempo) e na manhã, na fase de grupos senti-me muito ansioso e lembro-me de ter ligado para a minha mulher e lhe ter confessado que estava a ser estranho.
Ela disse para jogar tranquilo e me divertir pois não tinha nada a provar a ninguém nem qualquer obrigação. E assim foi.
Fui Internacional Português e campeão Nacional pela primeira vez aos 14 anos no FC Porto e posteriormente integrei uma das melhores equipas do Sporting das Caldas com o Sales Caramelo e o Prisciliano Ferreira. Posteriormente fomos treinados pelo Cay Yan Dong e o Sporting das Caldas tornou-se um clube formador e com excelentes resultados, muito por força da carolice dos seus dirigentes, a quem rendo a minha homenagem.
JC- Como está a decorrer a criação da nova secção de Ténis de Mesa no Caldas SC?
JV- Surgiu de uma conversa e um convite da nova direção do Caldas SC através do presidente Rodrigo Amaro e tem sido um bom caminho. Temos atualmente cerca de 40 praticantes entre jovens de competição já com bons resultados, uma equipa júnior e sénior a jogar os distritais e alguns atletas que vão praticar apenas por lazer.
Tem sido uma experiência ótima, com boa evolução, com uma seção composta pelo Carlos Custódio, pelo Cesar Albano, pela ajuda na parte técnica do Pinaki Goesh e do Angel e pela colaboração muito perto da direção do Clube.
Estamos todos ainda a dar os primeiros passos. O clube com novas modalidades amadoras e nós com equipas de competição e formação.
Pensamos que com a ajuda do Município e a boa colaboração entre todos podemos alcançar a breve trecho boas performances, voltando a colocar o Ténis de Mesa Caldense no lugar que já lhe pertenceu.
Mas é importante que os diversos parceiros e praticantes da modalidade nas Caldas dialoguem para se conseguir um bom desiderato, se não, daqui a 10 anos continuamos a discutir os horários de cada um, a divisão de treinos e temos um espaço único no país para a prática da modalidade subaproveitada.
Urge dialogar e encontrar pontos comuns de entendimento para o bem de todos e aqui a Autarquia tem um papel fundamental. Todos devem ter direito a treinar e a jogar, mas é necessário apostar na formação e o Caldas Ténis de Mesa pretende fazer acordos com as escolas e trazer os seus alunos para a prática da modalidade.
A utilização dos pavilhões foi sempre um assunto difícil de gerir e no caso concreto do Ténis de Mesa que possui como lhe disse, se calhar, a melhor sala para a prática da modalidade no país, é uma pena que não tenha uma entrada direta para a mesma e tenhamos que passar por todo o pavilhão, tendo de interromper treinos e jogos quando existem outras atividades no pavilhão principal.
Agora estamos a tentar que esta sala Dr. Calheiros Viegas seja considerada um Centro Local de Rendimento Desportivo, ou regional, e termos mais provas e estágios nas Caldas da Rainha. Tudo farei para em diálogo com o Município tentarmos dar esse salto.
JC- Estando como Secretario Geral do PSD já foi apontado como candidato a vários lugares. Vamos vê-lo nas listas às autárquicas?
JV- Gosto muito de política e faço política como qualquer cidadão, todos os dias, contudo não tenho qualquer ambição de ser candidato a qualquer lugar.
Não sou mesmo candidato. Prezo muito a minha liberdade de pensamento e a minha inquietude.
Mas estou atento e preocupado, sobretudo com a questão do nosso hospital. Andamos a pendurar bandeiras negras e a fazer conferências e a bradar aos sete ventos com manifestações em Lisboa e afinal tudo não passou de uma mão cheia de nada.
Temos muita falta de união nestes casos mais sensíveis. Fechamo-nos em capelinhas e andamos sempre a olhar para o umbigo a ver quem é o principal dono da “quinta”. Não existe uma conjugação de esforços para o bem comum. As pessoas estão mais preocupadas com elas e os seus egos do que em trabalhar em prol de.
Como lhe disse atrás sou muito independente nas minhas ações e pensamentos e também sou crítico interno no meu partido quando não concordo com algo. Fui sempre assim e não vou alterar a minha maneira de ser. Acho que o Concelho tem de evoluir em várias áreas, basta olhar em volta e ver por exemplo como Torres Vedras evoluiu nos resíduos, como Óbidos trabalha bem os seus eventos e como planeia. Temos marcas identitárias do nosso concelho, mas parece que andamos meio perdidos sobre o que somos o que queremos ser e a forma de lá chegar. Temos um Hospital Termal com uma história riquíssima, uma ESAD.CR a dar cartas, mas no fundo parámos no tempo. E não sou apenas eu que o digo nem estou a acusar ninguém pois todos nós temos uma porção de culpa. Oiçam os jovens e o que eles dizem, oiçam as pessoas.
Hoje todos dizem que têm medo de sair à rua depois das 18h00 que à noite não se pode andar sozinho, que há muitos casos de violência, que a segurança que tínhamos e o bem-estar já acabou. Este é um problema social que se vive por toda a Europa, não apenas em Portugal. Também vieram pessoas boas e trabalhadoras. São os novos tempos. Mas é importante atuar no imediato. Nós aqui ainda estamos a discutir se devemos ter ou não videovigilância para ficarmos na fotografia, enquanto outras cidades já têm Polícia Municipal, videovigilância e pressionam o MAI para reforço das esquadras. Não planeamos nem somos pró-ativos, mas sim reativos lentos.
JC – Mas não o vamos ver numa lista autárquica?
JV- Para a Câmara e Juntas de Freguesia não vão ver de certeza. Não é algo que pretenda para a minha vida. Prezo mais outras coisas que me dão mais prazer. Não gosto de “joguinhos” nem tenho paciência para coisas que não me acrescentem. Estou, contudo, sempre disponível para ajudar, para acrescentar e para poder ser útil, mas não em listas para vereador ou para Juntas.
Estou sempre aberto a novos desafios, a fazer coisas, mas estar por estar não é do meu feitio.
Caldas tem pessoas de muito bom valor, jovens que podem acrescentar, gente com muita capacidade, mas se calhar também não estarão disponíveis para ambientes pouco saudáveis, para serem apenas quem transporta o andor ou para levantar a bandeira. Essas pessoas que levam o andor e a bandeira também fazem falta e são importantes, mas é necessário ouvi-las, pois se calhar têm coisas muito boas para dizer. Temos de ser mais abrangentes.
Eu gosto de ocupar o meu espaço e não o espaço de alguém, gosto de me sentir útil e capaz e não tenho feitio para dourar a pilula. Esta minha independência se calhar não é apreciada, mas é o que é.
JC- Tem um novo livro na forja…
JV- Sim. Depois da “Terapia do Flamingo” que lancei há dois anos tenho um novo na editora, a sair brevemente. Será dentro do estilo do anterior, de crónicas. Mas já preparo um romance que me está a dar muita luta, o que me agrada.
JC- Tem sempre muitos projetos e pelos vistos não vai parar por aqui?
JV- Não consigo estar parado e gosto de fazer coisas que me proporcionem algum gozo. Como disse, gosto de fazer coisas, e de colaborar com quem me pede. Dou algumas formações, faço algumas palestras, mas fundamentalmente a vida ensinou-me a olhar para o outro. A ter preocupações sociais, a não esquecer que ao nosso lado existem pessoas que precisam do nosso apoio, que sozinhos não somos nada.
Os últimos anos não me têm sido fáceis, mas procuro ter sempre pensamento positivo e olhar em frente com Fé em Deus e nunca esquecer os amigos que querem o meu bem.
JC- Considera-se uma pessoa bem-disposta. Gosta de sorrir?
JV- Gosto muito de sorrir até ganhar estas rugas de expressão. Mas sobretudo de ser feliz e proporcionar alguma felicidade aos outros. De ser positivo, de descomplicar. A vida em si já é demasiado “pesada”, por isso procuro ser próximo e acolhedor.
Também sou critico, obviamente, mas sempre com elevação. E estou sobretudo atento à espuma dos dias, nunca abdicando do legado que o meu pai me deixou. O sorriso e a preocupação com os outros, o positivismo vem dai, vem dele.
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