Há milhares de empregos vagos para especialistas em tecnologias de informação e comunicação, por exemplo. Mas temos imigrantes que são engenheiros a repor prateleiras de supermercado; imigrantes que são enfermeiros a trabalhar como cuidadores; imigrantes que são professores a fazer limpezas em escritórios. Os casos de desperdício de habilitações profissionais são os mais variados. Este desaproveitamento de talento em várias frentes dá-se num país que, no campeonato da literacia da população adulta, está na cauda da OCDE.
Segundo análise do jornal PÚBLICO, em parceria com a Lighthouse Reports, El País, Financial Times e Unbiased the News, aos dados do European Labour Force Survey, cerca de 27% dos trabalhadores portugueses com ensino superior estão sobrequalificados para as funções que desempenham. Mas este número sobe para 39% no caso dos imigrantes. É de notar que Portugal tem a originalidade de não reconhecer as qualificações dos imigrantes, obrigando-os a comprovar os conhecimentos nas nossas universidades e politécnicos. E é claro que a maioria não tem suporte financeiro para viver sem trabalhar ou apenas trabalhar a tempo parcial enquanto satisfaz tal exigência.
Todas estas pessoas poderiam estar a contribuir mais para a economia portuguesa, e um país como Portugal não pode dar-se ao luxo de perder esses recursos.
Em vez de acolher e aproveitar condignamente os imigrantes, o actual governo acha melhor transformá-los em bodes expiatórios de todos os males sociais, do crime à saúde, indo a reboque das mentiras da extrema-direita. Aquela “operação especial de prevenção criminal” na Rua do Benformoso, em 19 de Dezembro, em que se ordenou à polícia que actuasse por arrastão, foi vergonhosa e inaceitável num Estado de Direito democrático. O que se passou foi um acto de intimidação das populações imigrantes, orientado por critérios racistas. Foi um escusado e lamentável contributo do governo para o clima de receio da imigração e destruição do sentido de pertença dos imigrantes à colectividade nacional, que é a base da integração bem-sucedida.
Segundo a socióloga Alice Ramos, coordenadora do European Social Survey — que analisa percepções dos portugueses sobre imigrantes —, ficamos a saber que 67,4% acreditam que os imigrantes estão associados ao aumento da criminalidade, quando os dados da Direcção-Geral da Política da Justiça demonstram que nos municípios com maior número absoluto de estrangeiros a criminalidade desceu e o rácio de crimes por total de residentes é mais baixo em municípios onde a população estrangeira é maior. Também mostra que são erradas as percepções sobre as contribuições para a Segurança Social: 67% afirmam que os imigrantes recebem mais do que contribuem, quando a balança das contribuições dos estrangeiros apresenta saldo positivo ao longo dos anos — só em 2024, até Agosto, os estrangeiros deram um saldo positivo de 1818 milhões de euros à Segurança Social. O governo, em vez de procurar corrigir estas noções erradas, apenas tem dado seguimento à agenda xenófoba e racista da extrema-direita, ampliando a percepção de insegurança.
A Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou o “Barómetro da Imigração”, coordenado por Rui Costa Lopes, do Instituto de Ciências Sociais, que retrata as atitudes dos portugueses relativamente à imigração. Três quartos dos inquiridos preferem uma política mais restritiva e cerca de metade quer menos imigrantes. Metade dos inquiridos acredita que a imigração põe em risco a cultura e os valores nacionais. Verifica-se que este sentimento negativo tem motivações racistas, pois varia muito consoante a origem dos imigrantes. Esta atitude de rejeição tem de mudar. O sociólogo Pedro Góis, responsável pelo Observatório das Migrações, demonstra que precisamos de um fluxo de 100 mil imigrantes por ano, durante muitos anos, por razões económicas e demográficas.
Os imigrantes não são um problema, mas uma solução. O problema é a entorpecente burocracia que enreda quem chega. O problema é a inexistência de estruturas eficazes para os acolher e encaminhar.
Escrevo segundo o anterior acordo ortográfico.
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