{"id":460793,"date":"2023-05-29T11:06:04","date_gmt":"2023-05-29T10:06:04","guid":{"rendered":"https:\/\/jornaldascaldas.pt\/?p=460793"},"modified":"2023-05-29T11:06:05","modified_gmt":"2023-05-29T10:06:05","slug":"poesia-com-luz","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/jornaldascaldas.pt\/2023\/05\/29\/poesia-com-luz\/","title":{"rendered":"\u201cPoesia com Luz\u201d"},"content":{"rendered":"\n

Escaparate<\/p>\n\n\n\n

A fot\u00f3grafa Odete Fraz\u00e3o inspirou-se na poesia de Afonso Lopes Vieira (1878-1946) para compor a magn\u00edfica exposi\u00e7\u00e3o assinalada em ep\u00edgrafe, patente, desde o dia 20 de maio, na agradabil\u00edssima Casa de Ch\u00e1 MOMO Sweets & Tea, nas Caldas da Rainha.<\/p>\n\n\n\n

A criadora adora \u201cdesenhar com luz\u201d, trabalhando muito bem os contrastes e a perspetiva. Ao admirar cada pe\u00e7a, conseguimos perceber a sua respira\u00e7\u00e3o e a sua personalidade, sentindo-as vivas, pulsantes, marcadamente aut\u00eanticas.<\/p>\n\n\n\n

Interpretar o que se v\u00ea \u00e9 um excelente exerc\u00edcio mental para o observador e, neste caso, como temos um ponto de partida realista, fica-nos na alma a intui\u00e7\u00e3o que se manifesta em cada imagem, ricocheteando em n\u00f3s tra\u00e7os de alta humanidade e agita\u00e7\u00e3o emotiva, plasmados na alma da artista.<\/p>\n\n\n\n

Se perguntarem, tecnicamente, se essa exposi\u00e7\u00e3o expressa a arte, somos obrigados a dizer que sim, pois explora magistralmente (e sem ter sido essa a inten\u00e7\u00e3o) a intelec\u00e7\u00e3o, al\u00e9m de evidenciar um m\u00e9todo art\u00edstico cuja pauta est\u00e1 embebida em sensa\u00e7\u00f5es, reflex\u00f5es e criatividade.<\/p>\n\n\n\n

O forte senso est\u00e9tico delineado em cada fotografia mostra-nos claramente o que \u00e9 a literatura do contemplar, pelo ponto de vista da criadora, ati\u00e7ando o nosso instante de observa\u00e7\u00e3o, obrigando-nos a exercitar o nosso sentido de an\u00e1lise e de ausculta\u00e7\u00e3o dos motivos criativos.<\/p>\n\n\n\n

O trabalho de Odete Fraz\u00e3o consegue influenciar, estimular a reflex\u00e3o, unir-nos a uma realidade provocativa – no sentido de agu\u00e7ar-nos as sensibilidades \u2013 e caracterizar em n\u00f3s a experi\u00eancia de fundamentar a arte.<\/p>\n\n\n\n

O seu olho cl\u00ednico para a fotografia lembra-me Sebasti\u00e3o Salgado (1944-), no quesito \u201cfotografar o seu mundo\u201d, o que a poder\u00e1 levar, tamb\u00e9m, a ser uma lenda viva da imagem, n\u00e3o s\u00f3 a documental. Assim como este imenso fot\u00f3grafo, Odete Fraz\u00e3o oferece-nos um pur\u00edssimo preto e branco, sendo, igualmente, uma artista que sabe desenhar com luz, o que permite uma transmiss\u00e3o de afetividades, pois transp\u00f5e as fronteiras da c\u00e2mera.<\/p>\n\n\n\n

A luz interior da fot\u00f3grafa est\u00e1 claramente expl\u00edcita na obra apresentada. O idealismo do seu acontecer \u00e9 equilibrado por uma afinidade entre a sensibilidade da alma e o seu sentido est\u00e9tico, refletindo para n\u00f3s, meros observadores, uma t\u00e9cnica magistral, fabulosa e ultra futurista.<\/p>\n\n\n\n

A sua singularidade \u00e9 assente na inova\u00e7\u00e3o e na medita\u00e7\u00e3o, o que me leva a Leonardo da Vinci (1452-1519), quando este dizia que \u201ca mais nobre paix\u00e3o humana \u00e9 aquela que ama a imagem da beleza em vez da realidade material. O maior prazer est\u00e1 na contempla\u00e7\u00e3o\u201d. A for\u00e7a asc\u00e9tica de Odete Fraz\u00e3o est\u00e1 na paix\u00e3o que transborda por aquilo que sente.<\/p>\n\n\n\n

\u201cPoesia com Luz\u201d \u00e9 uma enorme porta de entrada para a etnografia antropol\u00f3gica visual, pois instiga-nos \u00e0 observa\u00e7\u00e3o atenta e cuidada, estimulando o olhar a perscrutar o panorama enquanto narrativa acolhedora.<\/p>\n\n\n\n

Algo muito parecido com a proposta de Walter Baldwin Spencer (1860-1929) que assinalava a import\u00e2ncia de transformar o real em arte, colocando a nu toda a beleza da verdade. <\/p>\n\n\n\n

E, assim, o respeito pelo processo \u00e9tico-metodol\u00f3gico de constru\u00e7\u00e3o de uma narrativa, talhada no recurso da linguagem do olhar, permitir\u00e1 que, quando todas as recorda\u00e7\u00f5es se tornarem nubladas na nossa mente, as silenciosas fotografias, agora em exposi\u00e7\u00e3o, levar-nos-\u00e3o de regresso ao tempo em que foram feitas, obrigando-nos a um reencontro connosco. <\/p>\n\n\n\n

Religando-nos a um di\u00e1logo tempo-espa\u00e7o que legitima a nossa exist\u00eancia e o que nela vamos construindo, especialmente no campo das emo\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

Ao estacarmos no nosso solo os alicerces de uma ponte de col\u00f3quios, estruturamos um pensamento s\u00f3lido e duradouro que ajuda a construir uma Humanidade mais \u00edntegra e elegante. <\/p>\n\n\n\n

A exposi\u00e7\u00e3o de Odete Fraz\u00e3o ergue diegeses leg\u00edtimas, com potencial de patentear demandas hist\u00f3ricas e socioculturais, que ser\u00e3o as bases de todo um processo evolutivo futuro.<\/p>\n\n\n\n

Ou seja: temos \u00e0 nossa frente um extraordin\u00e1rio ponto de viragem na arte fotogr\u00e1fica. Estamos diante da melhor fot\u00f3grafa da primeira metade do s\u00e9culo XXI. Saibamos humildemente admir\u00e1-la.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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