Em “Inovar com Sustentabilidade: Como o Oeste pode ser um laboratório de energia limpa” (16 de Outubro de 2025), defendeu-se que a transição energética começa em casa – com gestão inteligente, eficiência e cultura tecnológica.
As Caldas da Rainha, pela sua geografia, tradição técnica e talento local, podem afirmar-se como modelo nacional de energia limpa e de inovação sustentável.
Em “Economia da Inovação e a Zona Azul do Oeste” (20 de Outubro de 2025), mostrou-se que o crescimento regional não se mede em metros de betão, mas em anos de vida com qualidade. Inspirando-se no Prémio Nobel da Economia de 2025, o texto propôe transformar o Oeste na primeira Zona Azul do continente europeu – um território onde o desenvolvimento nasce da inteligência, da saúde e da cooperação.
Segue-se agora a Trilogia Oeste Azul – uma viagem da história à inteligência territorial: das águas fundadoras da Rainha D. Leonor ao futuro sustentável e longevo do Oeste.
Esta segunda parte demonstra que a sustentabilidade e a saúde exigem uma nova consciência colectiva – preventiva, humana e tecnológica – e que o desperdício, que hoje consome milhares de milhões de euros, pode e deve ser convertido em investimento em pessoas, modernização e bem-estar.
Defende ainda que a verdadeira reforma da saúde não se constrói com mais paredes, mas com mais prevenção, literacia e proximidade.
Transformar o Oeste na primeira Zona Azul do continente europeu é, pois, o desígnio central desta visão: unir energia limpa, inovação económica e cultura do cuidado num território onde viver bem se torna a nova medida do progresso. Assim, o que antes era despesa transforma-se em investimento; o que era fragmentação converte-se em inteligência; e o que era doença renasce em longevidade.
O Hospital Termal Rainha D. Leonor
Há cidades que nascem de batalhas, outras de comércio ou de impérios – As Caldas da Rainha nasceram de um gesto de compaixão.
Conta a tradição que, ao regressar de uma viagem, a Rainha D. Leonor de Lencastre viu, junto de uma nascente de águas sulfúreas, alguns camponeses a banharem-se para curar feridas e maleitas. Intrigada, mandou averiguar e, percebendo as propriedades terapêuticas daquelas águas, decidiu erguer no local um hospital para os pobres. Assim, entre 1484 e 1485, nasceu o Hospital Termal Rainha D. Leonor – considerado o mais antigo hospital termal do mundo em funcionamento contínuo.
O gesto da Rainha foi mais do que um acto de piedade: foi uma visão civilizacional. Não construiu apenas um edifício, mas lançou uma ideia que atravessou séculos: a saúde como bem comum e a água como instrumento de cura uma forma de medicina social muito antes de o conceito existir.
Em torno deste hospital nasceu uma vila com alma própria. Em 1511, D. Manuel I concedeu-lhe foral, reconhecendo-lhe a importância e a autonomia. A partir daí, as Caldas da Rainha afirmaram-se como um centro de arte, ciência e termalismo, atraíu médicos, artistas e viajantes que viam na água um mistério e uma promessa.
Durante séculos, o Hospital Termal foi lugar de encontro entre medicina e natureza, fé e ciência. A sua reputação espalhou-se por todo o reino, despertou o interesse de estudiosos e criadores. Entre os que se inspiraram no ideal humanista que ali floresceu destacam-se Garcia de Orta, figura maior da medicina renascentista portuguesa, e Joaquim Machado de Castro, mestre da escultura que deixou nas Caldas marcas do seu génio criador. Nobres e camponeses partilhavam o mesmo propósito: reencontrar na água o alívio e a esperança.
Ainda hoje, as galerias subterrâneas guardam esse eco: o som constante das águas, o cheiro mineral, as inscrições antigas nas paredes. É um lugar onde a história respira e o passado sussurra ao futuro lembrando que o verdadeiro progresso talvez não se construa em betão, mas em longevidade.
Uma proposta para o futuro
Este artigo não é uma evocação do passado, mas uma proposta de futuro: que as Caldas da Rainha assumam o seu papel como capital da longevidade portuguesa, aliando património, saúde e inovação social.
A cidade termal pode e deve tornar-se um laboratório de bem-estar, um espaço onde a medicina preventiva, o termalismo e o urbanismo saudável se encontrem para gerar qualidade de vida.
Propõe-se o programa “Longev@ Termal”, um modelo integrado de cidade que valoriza o movimento, a alimentação mediterrânica, o convívio intergeracional e o uso terapêutico das águas.
Mais do que um destino turístico, as Caldas da Rainha pode ser um território de longevidade: um lugar onde a ciência e a tradição se unem para que a idade resplandeça em plenitude: um lugar onde a água cura, o tempo floresce e a história inspira o futuro.
Mas para isso é necessário dar um passo além do termalismo clássico: criar uma Universidade da Água e da Longevidade, que una o saber médico, científico e social.
Um espaço de estudo e prática que envolva profissionais de saúde, terapeutas, nutricionistas, engenheiros, urbanistas e investigadores, promovendo programas de literacia da população, prevenção de doenças e envelhecimento activo.
A cidade pode, assim, ser escola e laboratório, onde o conhecimento circula entre a academia e a comunidade. Nas Caldas da Rainha, a água que curou pode voltar a ensinar e inspirar uma nova forma de viver mais tempo, com mais saúde, com mais sentido.
A água como metáfora da eternidade
A água liga o passado ao futuro: flui, transforma-se, evapora e regressa – sem nunca deixar de ser o que é. É o elemento que une o mineral ao humano, o corpo à memória, a natureza ao espírito.
Os átomos da água nasceram das primeiras estrelas: o hidrogénio, do início dos tempos; o oxigénio, do fogo antigo das supernovas. Talvez por isso, cada gota transporte em si a memória do universo.
A água além de um recurso natural: é uma herança cósmica, que atravessou biliões de anos para nos lembrar que curar é também recordar de onde viemos. Talvez por isso as águas que brotam do ventre da terra pareçam conter um eco de infinito.
As águas termais das Caldas da Rainha nascem da infiltração de chuvas na vertente ocidental da Serra dos Candeeiros, descem lentamente por rochas calcárias jurássicas. Durante séculos, percorrem o subsolo, aquecem até 60 °C e enriquecem-se em minerais, emergindo no coração da cidade – junto ao Hospital Termal Rainha D. Leonor.
É essa longa viagem subterrânea, da serra à cura, que espelha a própria alma das Caldas: um percurso de paciência, transformação e renascimento.
O futuro do Oeste não se constrói em betão, mas em longevidade
Porque o verdadeiro progresso não se mede em metros quadrados, mas em anos de vida com qualidade, saúde e propósito.
Nas próximas publicações, continuarei esta reflexão sobre o futuro das Caldas da Rainha e da região Oeste – da gestão hospitalar ao território inteligente – para compreender como a água que curou pode agora inspirar uma nova forma de viver, cuidar e prosperar.
Nas próximas publicações:
Parte 2 – Novo Hospital do Oeste: Entre o Custo Político e o Preço do Desperdício
Parte 3 – Oeste Azul: Saúde, Sustentabilidade e Inteligência Territorial
José Filipe Soares
O texto segue a ortografia culta da Língua Portuguesa, por respeito à sua matriz histórica e etimológica.
Verificado com base em fontes históricas e artísticas: Arquivo Municipal das Caldas da Rainha, Direcção-Geral do Património Cultural e Museu Machado de Castro.










