Por isso, quando André Ventura chamou pelos três Salazares, mal sabia que estava a marcar uma visita vinda do além.
Era uma noite de chuva, e enquanto Ventura descansava a olhar para uma foto sua sobre a lareira, foi visitado pelo espírito de Sá Carneiro.
«André, o que fizeste? Invocaste o nome de Salazar no Parlamento. Ainda para mais, disseste que um Salazar não chegava para resolver os problemas do país. Portanto, esta noite serás visitado pelos espíritos dos três Salazares», disse o espírito.
André começou a sentir uma terrível azia. Mas sem que tivesse tempo de cair ao chão, eis que lhe apareceo primeiro Salazar. «Vou levar-te numa viagem ao passado, André. Lembras-te deste dia?», perguntou Salazar.
André viu-se nos tempos de criança a brincar na ruacom a sua bola autografada pelo Rui Águas. Sonhava ser jogador do Benfica, mas o que ele gostava mais era reclamar uma falta para penálti. As outras crianças não gostavam. Por isso, quando a sua mãe o chamou para jantar, as outras crianças levaram a sua bola sem nunca mais a devolver.
«No dia seguinte lembras-te do que te disseram?», perguntou o primeiro Salazar. «Eles juraram que tinha sido o Márcio cigano a roubar-me a bola», disse André. «Pois é, toda a mágoa que guardaste desde esse dia foi baseada numa mentira», disse Salazar.
André nem queria acreditar que toda a sua campanha tinha sido uma tremenda injustiça. Sem que tivesse tempo enxaguar as lágrimas, eis que lhe aparece o espírito do segundo Salazar. «André, vamos dar um passeio por Lisboa», disse o segundo Salazar.
«Estás a ver aquela velhinha? Está prestes a ser atropelada pelo António que passou o dia na tasca». «Temos de fazer alguma coisa!», exclamou André. «Espera, olha o que vai acontecer», disse o segundo Salazar.
No último segundo, a velhinha é salva por um homem que ia a passar na rua. «Que alívio! Este homem é um herói», disse André. «É mesmo, já não é a primeira vez que o Abdul salva alguém. Quando morava no Bangladesh era bombeiro». Naquele momento André queria que Portugal fosse um pouco como o Bangladesh.
Já quase de rastos, recebe a visita do terceiro Salazar. «André vou levar-te ao futuro», disse o terceiro Salazar. André estava no escritório do seu partido sozinho. Todos o tinham abandonado quando perceberam que nunca podiam ser líderes. Unsporque ele não deixou, outros porque a justiça não deixou. «Todos me abandonaram? Eu não percebo», disse André. «Era tudo pelo poder, André. Eu também não tinha amigos. Até inventei aquilo do“orgulhosamente só” para mascarar a minha dor», disse Salazar.
No dia seguinte, quando acordou do sonho, André mandou mudar todas as suas mensagens de campanha. Queria agora um Portugal para todos. A sua perspetiva do país e das pessoas havia mudado.
Para ele, depois de Salazar veio a liberdade. Como vem sempre.










