O dilema de segurança e as limitações da ONU

15 de Outubro de 2025

Assiste-se novamente à corrida às armas e à pujança da indústria de defesa. Aos grandes países produtores de armamento, como os Estados Unidos, China, Rússia, França ou Israel, têm-se juntado outros, sobretudo Turquia e Coreia do Sul. Dirigentes políticos e politólogos dizem que é preciso prepararmo-nos para a guerra, argumentando que se nos armarmos dissuadiremos o possível agressor. Esta falácia legitima a escalada.

O conceito que John Herz designou em 1950 por “dilema de segurança” diz-nos que se um Estado começa a armar-se com intuito defensivo, outros Estados entenderão esse armamento como ofensivo e reagirão em conformidade, numa espiral de desconfiança e hostilidade. Este dilema de segurança levou o mundo à Guerra Fria e à capacidade absurda de o destruir várias vezes.

Assinalou-se em 21 de Setembro, um domingo, o Dia Internacional da Paz. Esta comemoração foi instituída pela ONU em 30 de Novembro de 1981, com o objectivo de “celebrar o poder da solidariedade mundial para construir um mundo pacífico e sustentável”. Nesse domingo, mais uma vez, o sino da paz foi tocado na sede da ONU, em Nova Iorque. Mas hoje há 61 conflitos activos. É o número mais elevado, desde a Segunda Guerra Mundial. A ONU estima que haja 2000 milhões de pessoas a viver em zonas afectadas por guerras, 500 milhões de crianças a viver em áreas de conflito armado e 305 milhões a necessitar de ajuda humanitária urgente.

O sistema de paz e segurança do pós-Segunda Guerra Mundial, codificado em 1945 na Carta das Nações Unidas, diz que os Estados não podem usar a força à discrição, havendo apenas duas excepções — legítima defesa e segurança colectiva.

Hoje, verifica-se o que aconteceu durante a Guerra Fria. O Conselho de Segurança voltou a ser totalmente condicionado pelos interesse geopolíticos dos P5, os cinco Estados permanentes (Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China) que têm direito de veto. Por outro lado, a legítima defesa, que deve ser vista como excepção, tem sido interpretada em sentido lato, anulando a proibição do uso da força. São disso exemplo a actuação de Putin e Netanyahu, que invocam o direito à autodefesa, permitindo-se contornar a proibição do uso da força.

O dilema de segurança leva a que cada vez menos guerras terminem por via política, prevalecendo a ideia de que a resolução dos conflitos se faz pela imposição da força, por via da vantagem militar. Em vez de reverter esta tendência, a ONU, manietada pelos P5, tem sido apenas um meio de canalizar interesses geopolíticos, arriscando-se à irrelevância política e podendo passar a ser vista como mera organização humanitária. É vital para as Nações Unidas funcionar sobretudo como órgão político, mas o que estamos a assistir é a um boicote dessa valência fundamental. São disso exemplos a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, quando Putin presidia ao Conselho de Segurança, ou quando Trump declara que a ONU podia deixar de existir que ninguém daria conta.

Hoje, há mais de 60 mil homens e mulheres de 15 países a servir em 11 missões de paz das Nações Unidas, combinando forças militares, policiais e civis. É a face visível do Conselho de Segurança e o meio de contornar as suas limitações. Não havendo capacidade de impor a paz, opta-se pela manutenção da paz, quando se consegue o consentimento dos Estados, mitigando assim as divergências geopolíticas dos P5. Esta capacidade da ONU tem permitido conter conflitos que se poderiam tornar regionais, e apoiar processos de paz nas fases de pós-acordos. É necessário, nestas situações, haver uma terceira parte que garanta que os beligerantes desarmem, e as estatísticas mostram que há muito poucos conflitos que se resolvem sem o apoio de uma terceira parte.

Mas a grande ambição da ONU é ir além dos interesses do Norte global e atender às necessidades das populações da periferia, que são quem sofre a violência. Intervir não apenas para conter os conflitos, mas também para os ajudar a resolver, salvaguardando, antes dos nossos, os interesse dessas populações. Infelizmente, esta perspectiva não prevalece. Na maioria das missões de paz, o que se sobrepõe são os interesses de política externa de alguns Estados, por exemplo da UE, numa lógica apenas securitária. Esta actuação não resolve os problemas, apenas os contem mal. Decorrem daqui as vagas migratórias e os degradantes oportunismos partidários e tensões sociais a que temos assistido.

Escrevo segundo o anterior acordo ortográfico.

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