— Considera o seu livro autobiográfico?
— Hum… Bom… Não é tudo autobiográfico? Todos nós vemos o mundo pelo nosso buraquinho da fechadura, certo? Eu penso sempre em Thomas Wolfe… Já leram aquela breve nota ao leitor, no início de Look Homeward, Angel? Estão a ver? Ele diz que somos a soma de todos os momentos das nossas vidas, e que quem se senta para escrever baseia-se nas suas experiências, não há como evitá-lo. Portanto, quando olho para a minha vida, tenho de admitir que nunca me envolvi com armas ou violência. Nem numa intriga política ou na queda de um helicóptero. Mas a minha vida, da minha perspectiva, tem sido cheia de drama. Por isso, pensei que se pudesse escrever um livro que conseguisse transmitir o que é conhecer alguém… Uma das coisas mais emocionantes que me aconteceram foi conhecer realmente uma pessoa, estabelecer essa ligação. E se conseguisse valorizar isso, agarrar esse momento, isso seria a tentativa… Respondi à sua pergunta?
— Tentarei ser mais específica. Conheceu uma jovem francesa num comboio e passou uma tarde com ela?
— Para mim… isso não é importante.
— Então a resposta é sim?
— Como estou em França e esta é a última livraria que visito, sim.
— Sr. Wallace, o livro termina de forma ambígua. Ficamos sem saber. Pensa que eles se juntam, passados seis meses, como prometeram um ao outro?
— Como prometeram? Ahh… Penso que já respondi a essa pergunta. É um bom teste para sabermos se somos românticos ou cínicos… Pensa que eles se juntam, certo? O senhor não, de certeza. E a senhora que espera que sim, mas não tem a certeza, foi por isso que fez a pergunta.
— E o senhor pensa que eles se juntam? Aconteceu-lhe isso, na realidade?
— Se me acont… Ouça, citando o meu avô, «Responder a isso, iria estragar tudo».
— Só temos tempo para uma última pergunta.
— Qual é o tema do seu próximo livro?
— Ahh… Não sei. Não sei… Tenho estado a pensar… Sempre quis escrever um livro que se passasse durante o tempo de uma canção pop. Uns três ou quatro minutos. A história, a ideia, é um indivíduo que está completamente deprimido. O sonho dele era ser um amante, um aventureiro, percorrendo a América do Sul de mota. Mas está sentado numa mesa de mármore a comer lagosta. Tem um bom emprego, uma mulher bonita. Tem tudo o que precisa. Mas isso não interessa, porque o que ele quer é dar um sentido à vida. A felicidade é viver a vida, não é alcançar o que se quer. Assim, ele está sentado e, nesse instante, a filha de cinco anos salta para cima da mesa. Ele sabe que ela deve ir para o chão porque pode magoar-se. Mas ela está a dançar uma canção pop com um vestido de Verão. Olha para baixo e, subitamente, ele tem dezasseis anos e a namorada do liceu vem trazê-lo a casa. Ela ama-o e a mesma canção está a tocar no rádio do carro. Ela sobe para a capota e começa a dançar. Agora, está preocupado com ela. Está linda, com uma expressão igualzinha à da filha dele. Aliás, talvez seja por isso que gosta da namorada. Ele está ali, em ambos os momentos, simultaneamente. E, num instante, toda a sua vida se sobrepõe. Para ele, é óbvio que o tempo é uma mentira. Que dentro de cada momento está outro momento, tudo a acontecer simultaneamente… Enfim, é uma síntese da ideia.
— O nosso autor tem de ir para o aeroporto. Muito obrigado pela vossa presença. E um agradecimento especial ao senhor Wallace por ter estado connosco.
— Obrigado, obrigado.
— Esperamos voltar a vê-lo com o seu próximo livro.
— Obrigado.
Início do filme Before Sunset, de 2004, realizado por Richard Linklater e protagonizado por Julie Delpy e Ethan Hawke. Consiste num reencontro não completamente fortuito e num diálogo acerca da vida, desencontros e escolhas. A imagem é fraquinha, as palavras são tudo.
Escrevo segundo o anterior acordo ortográfico.
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