O Tribunal da Relação de Coimbra confirmou o acórdão que condenou a prisão efetiva dois empresários de futebol por auxílio a imigração ilegal e absolveu o ex-presidente do Grupo Desportivo ‘Os Nazarenos’ e o clube.
“Acordam os juízes que compõem a 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, confirmando o acórdão recorrido”, lê-se na deliberação, na sequência do recurso de um dos empresários, à qual a agência Lusa teve acesso.
Em setembro de 2023, o Tribunal Judicial de Leiria condenou dois empresários de futebol, estrangeiros, a seis anos de prisão por treze crimes de auxílio a imigração ilegal.
Estes dois arguidos, um dos quais esteve sempre ausente do julgamento, foram absolvidos de quatro crimes de auxílio à imigração ilegal e de dezassete crimes de tráfico de pessoas, dois dos quais agravados, que lhes estavam igualmente imputados pelo Ministério Público.
Quanto ao ex-presidente de ‘Os Nazarenos’, João Zarro, e ao clube, igualmente acusados por dezassete crimes de tráfico de pessoas, dois dos quais agravados, e dezassete crimes de auxílio à imigração ilegal, o coletivo de juízes da 1ª instância determinou a sua absolvição.
O caso remonta a 2018, quando João Zarro foi abordado pelos dois agentes que se apresentaram “como empresários da área do futebol”.
Os empresários decidiram, para “obter proventos económicos”, aliciar jogadores de futebol de nacionalidade brasileira e peruana que pretendessem jogar futebol, a nível profissional, na Europa.
Aos atletas prometeram boas condições de trabalho, de alojamento, de alimentação, assim como o tratamento das questões logísticas da transferência internacional e a legalização em Portugal, além da assinatura de um contrato de trabalho e um bom salário, com a promessa de uma transferência para outros clubes de maior importância a nível nacional e internacional, apesar de saberem que não o iriam cumprir.
Para facilitar a operação de aliciamento e credibilizar a transferência dos jogadores, os dois empresários apresentaram-se como sócios-gerentes de uma sociedade de agenciamento de jogadores. Através dessa sociedade, celebraram um acordo com o clube, através do seu presidente, válido para a época 2018/2019.
O acórdão do Tribunal de Leiria elencou os treze jogadores que foram aliciados pelos agentes, , pormenorizando os valores que os atletas gastaram para virem para Portugal, como chegaram até à Nazaré, onde e como ficaram instalados, e o dinheiro que receberam por jogar no clube (um deles recebeu apenas vinte euros e outros nada), descrevendo ainda que a alimentação fornecida pelos empresários era “escassa e de má qualidade”, além de esporádica, pelo que as vítimas, em diversas ocasiões, “passaram fome, por não terem dinheiro para comida”.
Considerou que, “ao não proporcionarem alimentação e habitação condigna” aos atletas tal como se tinham comprometido, “ao não diligenciarem pela legalização” em Portugal, além de não lhes proporcionarem rendimento, os arguidos sabiam que deixavam aqueles numa situação em que eram incapazes de resistir, de se opor ou de se sustentar pelos seus próprios meios de forma conveniente, ficando na sua total dependência.
Os jogadores ficaram em apartamentos e ainda no Centro de Alto Rendimento de Surf da Nazaré e no Estádio Municipal da Nazaré, e em alguns casos “houve necessidade de dormirem, pelo menos, três pessoas por cama”, no sofá e até no chão.
Este caso foi tornado público em março de 2019 pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que desencadeou uma operação na qual fez buscas, tendo detido os agentes e constituído arguidos o à data presidente e o clube da Nazaré.
Na ocasião, em comunicado, “Os Nazarenos” fizeram saber que nem o clube, nem nenhum membro da sua direção, “fazem ou fizeram parte de um esquema” de tráfico de pessoas, nunca prometeram “fosse o que fosse a qualquer atleta estrangeiro” e nunca receberam, “dos atletas, dos seus familiares ou de quaisquer representantes seus, qualquer quantia monetária ou qualquer outro tipo de vantagem económica”.
Através do comunicado, aquele emblema dizia ainda que “foi o clube e os seus dirigentes que resgataram os atletas estrangeiros que foram, literalmente, abandonados pelos empresários”, tendo providenciado pelo seu sustento.
No recurso para a Relação de Coimbra, um dos empresários pediu para que fosse declarado nulo o acórdão do Tribunal de Leiria, “determinando-se a sua substituição” por outro no qual sejam supridas “as nulidades decorrentes da falta de fundamentação” ou a sua revogação e substituição por outro que “altere a matéria de facto” e se absolva o arguido da prática do crime de auxílio à imigração ilegal.
Caso ainda assim não se entenda, “sempre a pena aplicada ao arguido deverá ser reduzida ao mínimo legal, mantendo a suspensão da sua execução”, lê-se no documento.
Para o Tribunal da Relação, a “matéria de facto que se teve como provada” em 1ª instância “tem suporte coerente na prova produzida, analisada de acordo com as regras da experiência comum, sem que se vislumbre qualquer salto lógico ou afirmação temerária a inquinar as conclusões alcançadas”, pelo que a convicção do Tribunal de Leiria “deve ser reconhecida como juridicamente válida”.
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