Uma alteração não substancial de factos na fase de julgamento adiou na semana passada, no Tribunal Judicial de Leiria, a leitura do acórdão do processo em que três ex-funcionárias de uma instituição das Caldas da Rainha com valências de creche e pré-escolar no concelho das Caldas da Rainha são acusadas de maus-tratos a crianças.
Foi inserido mais um caso de uma menina de menos de um ano que terá sido agredida à bofetada na boca, sendo concedido à defesa um período para contestar.
A situação envolve uma educadora, acusada de onze crimes de maus-tratos, uma antiga auxiliar, acusada de três crimes, e uma ex-ajudante de ação educativa/administrativa, que responde por outros dois crimes de maus-tratos, entre 2016 e 2020, até à altura em que o caso foi denunciado por uma educadora que estava na instituição em regime experimental e que revelou ter-se apercebido de situações anómalas.
No despacho de acusação, o Ministério Público, que não conseguiu identificar todas as crianças supostamente vítimas de maus-tratos, sustentou que as arguidas expuseram os menores a “um ambiente de terror psicológico, violência e agressividade”.
Segundo a agência Lusa, durante o julgamento, a antiga educadora garantiu que os factos de que é acusada são mentira e assegurou que durante os “quase 23 anos” que trabalhou na creche nunca teve qualquer queixa de pais relativamente a crianças maltratadas.
Confrontada com os pontos do despacho de acusação, repetiu “não é verdade” ou “é mentira”, nomeadamente quando foi apontado que “agarrou pelos cabelos” uma criança, a outra deu uma “chapada de mão aberta na face” e a uma terceira “desferiu-lhe, com força, duas bofetadas na boca”. “Nunca tive esse tipo de conduta”, sublinhou, referindo que o seu papel era “cuidar e proteger” e que teve sempre uma “relação boa com as crianças e pais”.
Questionada pela juíza-presidente sobre qual a explicação que dava para os factos que lhe são atribuídos, a arguida declarou: “A única explicação que vejo é que só tenho o 12.º ano e havia pessoas com ensino superior e achavam que eu não estava bem ali, que ali não era o meu lugar”.
A arguida, que citou o nome de duas antigas colegas, respondeu depois à pergunta se terão sido essas que inventaram: “Alguém inventou, eu não sei”.
Noutra ocasião, de acordo com o Ministério Público, a mesma arguida agarrou num braço de uma menina com seis ou sete meses, “elevou-a do chão e deslocou-a, suspensa no ar, agarrada apenas por aquele membro, desde o tapete dos brinquedos até à sala do berçário”, onde a projetou pelo braço para o interior do seu berço.
Entre outros factos atribuídos a esta educadora está a colocação de um menor com cerca de um ano, “de forma brusca e contra a sua vontade, sentado, com as pernas cruzadas, de frente para uma parede, enquanto todas as outras crianças brincavam”.
É ainda referida, igualmente, a situação de um bebé autista com menos de um ano que “chorava sofregamente” por ter fome. Após ter parado de chorar, a arguida “retirou-lhe bruscamente a chupeta e começou a inserir comida na sua boca, com força, de forma repetida e sucessiva, sem o deixar respirar e engolir”. Enquanto a educadora o fazia, o menor “chorava compulsivamente, ao mesmo tempo que se babava e expelia a sopa pela boca”. Nesse ato seria ajudada por outra arguida que, num “plano previamente delineado, segurava-o vigorosamente”.
No que se refere à ajudante de ação educativa/administrativa, o Ministério Público relatou, entre outras situações, que, quando uma criança do pré-escolar se recusou a comer, ela “pegou na taça de aço inoxidável com sopa que estava em cima da mesa e atirou-a em direção” à menor, atingindo-a na cara.
Já no caso da auxiliar, por exemplo, sustentou que, na sala do berçário, “enquanto batia com força, com uma colher de pau, na mesa”, dizia a uma criança “tu és mau, a culpa é tua”.
As duas ex-funcionárias optaram pelo silêncio na primeira audiência do julgamento.
De acordo com o Ministério Público, as arguidas agiram “sempre com o propósito de molestar física, verbal e psicologicamente as crianças que estavam, ao seu cuidado, com idades compreendidas entre os três meses e os quatro anos, completamente indefesas e incapazes de se defenderem e de se queixarem”, numa atuação de grande risco de “alterações comportamentais graves, capazes de pôr em causa o desenvolvimento físico e psíquico harmonioso” dos menores.
No ano passado foram ilibadas de responsabilidades a então coordenadora principal da instituição das Caldas da Rainha, assim como esta entidade. O juiz de instrução decidiu não haver provas que sustentassem a sua acusação e determinou o arquivamento dos autos.
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