O historiador caldense João Bonifácio Serra, com uma carreira ligada à cultura e ao conhecimento, faleceu nesta quarta-feira aos 73 anos, em vésperas de completar mais um aniversário, o que deveria acontecer a 22 de abril. Foi uma personalidade reconhecida nos meios académicos, intelectuais, sociais e políticos pela significativa obra e destacado contributo nas diversas funções que exerceu – pedagogo, pensador, autor e investigador na história da arte, na cultura e na gestão cultural.
Entre as várias notas de pesar tornadas públicas, destaque para a emitida pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que apresentou as “sentidas condolências” à família de João Bonifácio Serra, que foi consultor, assessor e chefe da Casa Civil do presidente Jorge Sampaio, com quem trabalhou desde o primeiro até ao último dia no Palácio de Belém, de 1996 a 2006.
O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, comentou que o caldense foi um “servidor público, historiador e homem de cultura. Deixa-nos uma marca muito relevante na vida educativa e cultural do país”.
Do rol de outros cargos públicos de grande responsabilidade, evidenciam-se os de presidente do Conselho de Administração da Fundação Cidade de Guimarães e programador da Área do Conhecimento, entre 2011 e 2013, depois de ter sido vogal da Fundação desde 2009.
João Bonifácio Serra teve um papel fundamental no sucesso da organização e programação de Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura, tendo substituído a administradora a quem tinha sido retirada a confiança política, por alegados atrasos sucessivos na preparação da programação de eventos e contratualização de fundos comunitários.
Manteve nos últimos anos uma profunda relação com o Município de Leiria, tendo assumido a coordenação do Grupo de Missão e a presidência do Conselho Estratégico da candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura 2027, dando um enorme contributo para o desenvolvimento da estratégia cultural deste concelho.
Nascido na aldeia de Carvalhal Benfeito, nas Caldas da Rainha, ali fez a escola primária e, na cidade, os estudos secundários. Ingressou na Universidade, em Lisboa, em 1966, em Direito (onde concluiu o primeiro ano) e depois em História (de que fez o bacharelato em 1970 e a licenciatura em 1974).
Homem de cultura, professor e historiador, lecionou em diversas instituições. Foi professor do ensino secundário em Castelo Branco, onde começou a dar aulas em 1970, e em Lisboa.
No ensino superior foi assistente estagiário no ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa), assistente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em Caldas da Rainha, Leiria e Lisboa, investigador e vogal da administração do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, docente da Universidade Nova de Lisboa e investigador do Instituto de História Contemporânea.
Lecionou na ESAD.CR (Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha), tendo pertencido à primeira comissão instaladora desta escola de artes. Participou na criação dos cursos de mestrado em Gestão Cultural, e da licenciatura em Programação e Produção Cultural, dos quais foi coordenador, para além de coordenador jubilado do Politécnico de Leiria, e titular da Cátedra Unesco em Gestão das Artes e da Cultura, Cidades e Criatividade. Integrava, atualmente, a comissão diretiva do Laboratório de Investigação em Design e Artes (LIDA) da ESAD.CR, unidade de investigação onde coordenava diversos projetos nas áreas da cerâmica, estudos do património e gestão cultural.
Foi membro do Conselho Geral do Politécnico de Leiria, entre 2008 e 2018 e pró-presidente, entre 2014 e 2018.
Foi também académico correspondente da Academia Nacional de Belas Artes, investigador e autor e coautor de várias obras, designadamente sobre a história da República e o republicanismo. Na Bibliografia Nacional Portuguesa estão registados diversos livros seus, alguns sobre a arte cerâmica.
Foi autor de diversos estudos sobre história política e social portuguesa dos séculos XIX e XX. Integrou a equipa de investigadores encarregue de elaborar a história do Parlamento Português.
Fundador da Associação de Professores de História, em 1981, fundou a Associação Património Histórico – Grupo de Estudos, das Caldas da Rainha, em 1993, da qual foi presidente até 2001, com dezenas de títulos originais editados. Atualmente, era presidente da mesa da assembleia geral.
Em 1994 foi fundador do Centro do Património da Alta Estremadura e presidente do Fórum do Património da Região Oeste entre 1997 e 1998. Era membro do conselho consultivo da Associação Portuguesa das Cidades e Vilas de Cerâmica.
Organizou e participou em inúmeras iniciativas de âmbito cultural, em colaboração com organizações das regiões Oeste e Leiria, e em vários projetos de planeamento e intervenção cultural em municípios como Caldas da Rainha, Óbidos, Bombarral, Torres Vedras, Peniche, onde era membro da Comissão de Conteúdos do Museu Nacional da Resistência e Liberdade, para além do já referido papel em Leiria e em Guimarães. Foi coordenador científico e cultural da Casa dos Patudos – Museu de Alpiarça.
Foi membro da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal entre 2000 e 2001.
Grande lista de condecorações
Tem várias condecorações estrangeiras, de que são exemplo títulos do México (Comendador da Ordem Aguila Azteca), Finlândia (Grande-Oficial da Ordem de Leão), Grécia (Comendador da Ordem de Honra), Áustria (Grã-Cruz de Prata da Ordem de Mérito), Noruega (Comendador da Ordem de Mérito) e Estónia (2ª Classe da Ordem Estrela Branca). Em Portugal recebeu Grã-Cruz da Ordem de Cristo e a Grande Oficial da Ordem da Liberdade. Desde 2011 que era membro do Conselho Nacional das Ordens Honoríficas Nacionais.
Recebeu também a medalha de mérito municipal Grau Ouro das Caldas da Rainha, onde aceitou o desafio de recuperar e organizar o arquivo municipal. Foi deputado da Assembleia Municipal, pelo PS, presidiu ao Conselho Geral do Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, integrou a direção da Casa da Cultura, foi coordenador científico do Museu do Hospital e das Caldas, comissário da Festa da Cerâmica e da Bienal Molda. Coordenou a candidatura a Cidade Criativa da Unesco, alcançada em 2019. Coordenou a elaboração do programa preliminar para um novo Museu de Cerâmica das Caldas da Rainha, aprovado em 2021.
O trabalho em prol de Guimarães e da cultura valeram-lhe em 2013 o reconhecimento pelo respetivo Município com a Medalha da Cidade em Ouro, em forma de agradecimento pela forma determinada que fez dele um dos rostos principais de Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura.
Em 2022 recebeu a medalha Grau Ouro no Dia do Município de Leiria, pelo seu percurso de vida dedicado às áreas da cultura, das artes e do ensino, com grande contributo para a afirmação da região de Leiria nestas áreas e do Politécnico de Leiria enquanto instituição de ensino superior público.
A Câmara Municipal das Caldas da Rainha manifestou profundo pesar pelo falecimento de João Bonifácio Serra, sublinhando que “o vasto legado deixado e a sua relação com as Caldas da Rainha merecem sincero apreço e gratidão, pela forma generosa com que sempre imaginou e projetou a cidade”.
A Câmara Municipal de Guimarães expressou a sua consternação, apresentando condolências à família e amigos, assim como o Município de Leiria lamentou a perda de uma figura “com uma extraordinária carreira”.
O Grupo de Estudos Património Histórico referiu que João Bonifácio Serra foi o seu “mais ilustre associado e enquanto desenvolvia um percurso de vida intenso e pleno de realizações, a associação nunca deixou de contar com a inestimável colaboração” dele.
O Politécnico de Leiria manifestou o “mais profundo pesar pelo falecimento de um nome incontornável da região ligado às artes e à cultura”.
O velório decorrerá no próximo sábado, a partir das 10h, no Centro Funerário de Cascais, junto ao cemitério de Alcabideche. A cremação será às 15h, após uma breve cerimónia de homenagem.
0 Comentários