Consciente da bomba-relógio que foi accionada em 2019 pela recusa de calendarizar a contagem do tempo de serviço dos professores, o governo saiu-se com uma manobra de diversão impossível de ignorar — nova legislação que visa estender o franchising do compadrio, modelo de traficância em que os nossos governantes parecem sempre tão desenvoltos, à contratação de professores.
Era de prever que toda a classe docente se levantaria em fúria. O governo pensou que esta nova afronta seria suficiente para distrair os professores das três grandes e velhas reivindicações — contagem do tempo de serviço, eliminação das cotas (prefiro o substantivo “cota”, em português, a “quota”, em latim) de acesso aos 5º e 7º escalões da carreira e vinculação após três anos de serviço.
O motivo da explosão generalizada não foi tanto o dolo do novo diploma dos concursos, mas tratar-se de mais uma inadmissível tramóia vinda de quem há muito esgotou o crédito de ofensas e desapreço.
Perante a enxurrada de protestos, o Ministério da Educação (ME), magnânimo, dispôs-se a “negociar”. «De boa-fé», chegou mesmo a afirmar o ministro da Educação. Seguiu-se então um exasperante ziguezague à volta das condições maquiavélicas da vinculação e da possibilidade dos directores dos agrupamentos recrutarem e distribuírem professores a seu bel-prazer. Entretanto, a resolução das verdadeiras causas dos protestos foi mantida pelo ME fora da “negociação”.
As semanas foram passando e a contestação nas escolas e nas ruas foi subindo de tom. A classe docente, por vezes sem grande classe, ao acotovelar-se e ao acotovelar outros, protagonizou uma torrente de greves e manifestações como se não houvesse amanhã e até, nas tais antecipações e sobreposições, de modo legalmente dúbio. O governo, num reflexo asinino e reles, logo quis aproveitar, parecendo-lhe mais vantajoso dificultar os protestos do que atender às suas causas.
Havendo sempre amanhã, o governo convenceu-se de que o tempo correria a seu favor. Depois de tanto salário perdido com as greves e tanta energia gasta, enquanto o ME encenava a negociação do ardiloso concurso, esperava o governo que não restasse aos professores alento para continuar a exigir o faseamento da contagem do tempo de serviço e a solução das outras grandes questões que lhes afectam o dia-a-dia e o futuro. O governo enganou-se. Iludir a discussão do que verdadeiramente interessa aos professores só aumenta a ira e radicaliza a mobilização.
Não é o interesse nacional que move estes governantes. Ao persistirem no menosprezo pelo sector profissional mais estruturante do desenvolvimento do país e ao ignorarem o imenso prejuízo social que este conflito acarreta, enquanto apenas pesam a tendência das sondagens, demonstram que é só o poder que os motiva.
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