A Agenda das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável tinha estabelecido a “fome zero” como um de 17 objectivos a atingir até 2030. Mas, desde 2015 que a fome no mundo tem vindo a aumentar, impulsionada pela crise climática e pela pandemia da covid-19, estimando-se que afecte agora 820 milhões de pessoas.
A Cimeira dos Sistemas Alimentares 2021, reunião virtual realizada em 23 de Setembro em Nova Iorque, visou lançar as bases de uma mudança profunda dos sistemas alimentares para torná-los mais justos e equilibrados. A iniciativa foi do secretário-geral António Guterres, que quer ver o tema no centro da agenda da ONU para 2030.
Guterres considera que um sistema alimentar que funcione bem pode ajudar a evitar conflitos, proteger o ambiente e garantir saúde e meios de subsistência para todos. Inesperadamente, nos meses de preparação que antecederam a Cimeira, surgiram duas visões opostas ao caminho a seguir para a desejada revolução da forma como produzimos, distribuímos e consumimos alimentos.
Vários grupos e associações representando os pequenos agricultores e os movimentos indígenas na Ásia, em África, na Europa e no continente americano decidiram boicotar a Cimeira, acusando-a de estar dominada pelos interesses das grandes empresas do sector agroalimentar, que apenas querem promover soluções científicas para uma produção agrícola mais resistente, à semelhança da Revolução Verde da década de 70 do século XX, baseada em pesticidas e fertilizantes. Estes defensores do modelo de agroecologia e agricultura regenerativa consideram que o recurso aos pesticidas e fertilizantes torna a produção agrícola dependente de um número restrito de grandes multinacionais, que acabam por ter o controlo sobre todo o sistema alimentar.
O mercado das sementes agrícolas, por exemplo, está nas mãos de apenas dez empresas, quatro delas (Bayer, Corteva, ChemChina e BASF) detendo mais de 60% desse mercado.
A ONU tem sido acusada de, com este modelo de cimeiras, favorecer os interesses de quem faz dinheiro com os sistemas alimentares e não de quem quer promover a saúde das populações e a protecção do ambiente. Rejeitando estas críticas, a ONU conseguiu no dia 23 de Setembro um acordo em cinco campos de acção: acabar com a fome e todas as formas de desnutrição; promover a reutilização e reciclagem dos recursos alimentares e eliminar o desperdício; optimizar os recursos ambientais na produção, processamento e distribuição de alimentos; eliminar a pobreza, promovendo emprego produtivo e trabalho digno para todos os actores da cadeia alimentar; e criar resistência às vulnerabilidades, sobretudo em zonas mais expostas a conflitos e desastres naturais.
Intenções. Todas demasiado vagas e tão virtuais como a Cimeira. A carência de alimentos, essa, é concreta para 820 milhões de pessoas.
O problema, na perspectiva da especialista norte-americana em questões alimentares Marion Nestle, é que as soluções tecnológicas são financiadas e dão dinheiro às empresas que as criam. Comer de forma mais saudável e criar sistemas agrícolas que não envolvam fertilizantes e pesticidas industriais não dá dinheiro a ninguém, pelo que não existe incentivo económico para se avançar para esse tipo de soluções.
Artigo sem acordo ortográfico
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