Depois de 16 anos de casamento, a sua mulher saiu de casa com as raparigas, quando ambas ainda eram menores e ela tinha 34 anos. Durante quase um ano o pai ainda comunicou regularmente com as filhas, que estavam com ele de quinze em quinze dias, mediante acordo verbal enquanto não se formalizava a regulação do poder paternal, até que de repente perdeu o contacto.
“Desde o dia 25 de maio de 2012 nunca mais consegui estar com as minhas filhas. Deixaram de atender o telefone. A mãe desapareceu com elas sem deixar rasto”, contou Ricardo André, que soube, mais tarde, que terá refeito a vida com outro homem e que estavam a viver em São Martinho do Porto. Admite a possibilidade de o desaparecimento estar relacionado com o companheiro da ex-mulher, um ano e meio mais novo do que ela, antigo pastor de uma organização religiosa, com cadastro por furto qualificado por arrombamento de edifício e que terá estado envolvido em vários crimes e se encontra contumaz (arguido que, não tendo prestado termo de identidade e residência, não foi possível notificar para comparecer em julgamento).
As sucessivas queixas que fez a várias autoridades policiais, desde junho de 2012, nunca tiveram resultado. Inclusive procurou na justiça apoio para encontrar as filhas, sem sucesso. O processo foi arquivado por falta de provas de crimes de subtração de menor e de sequestro.
Sem respostas, Ricardo André usa as redes sociais para divulgar o desaparecimento e pedir ajuda. Mesmo agora tendo elas idade adulta, comenta que a sua família “vive mergulhada no desgosto” e que o que mais o assusta é “a possibilidade de morrer sem saber das minhas filhas e se não terão sido maltratadas”. Não pede mais do que “um sinal de vida”.
Recentemente fez uma exposição ao Presidente da República. A casa civil da presidência respondeu que foi remetida à Procuradoria-Geral da República, que por sua vez encaminhou para o Ministério Público da Comarca de Leiria. “Estou a aguardar alguma comunicação”, transmitiu Ricardo André.
Abandono escolar
As diligências efetuadas em 2012 por diversas entidades revelaram que a filha menor abandonara o ensino básico, apesar de estar matriculada automaticamente no 8º ano na Escola Frei Estevão Martins, em Alcobaça, que não frequentou. A mais velha não tinha concluído o secundário.
Ambas efetuaram o último contacto de enfermagem na Unidade de Saúde Familiar Pedro e Inês, em Alcobaça, a 15 de janeiro de 2013, depois das queixas de desaparecimento apresentadas na PSP e na PJ.
Hotel por pagar
Uma carta anónima enviada em 2013 à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Oliveira do Bairro revelou que a rapariga menor se encontrava num hotel naquela localidade a residir com a irmã, a mãe e o companheiro desta. O proprietário confirmou à PJ que deram entrada a 11 de maio de 2012. Em janeiro do ano seguinte, o companheiro da mãe abandona o alojamento sem liquidar as despesas. Elas permanecem até 30 de junho, desaparecendo após o contacto da CPCJ com o proprietário, deixando haveres e uma extensa conta para pagar.
Negócios obscuros
O companheiro da ex-mulher de Ricardo André, numa entrevista há cerca de vinte anos, contou que foi peão de negócios desde tráfico de droga ao branqueamento de capitais, passando a andar escondido com medo de represálias. A organização religiosa de que era pastor negou as acusações.
Por alegadamente ter negócios em Itália, Ricardo André receia que possam ter ido para esse país, já que a ex-mulher tentou obter o seu consentimento para levar as filhas numa viagem até lá. Diz ter recebido uma chamada da mais velha, cujo indicativo era de Itália, parecendo-lhe estar alguém a “dar-lhe indicações sobre o tipo de conversa que deveria desenvolver”.
Sem pistas para localizar
A PJ reconheceu que “apesar de existir conhecimento do desaparecimento” da mãe e filhas, “a localização das mesmas é completamente desconhecida”.
O Ministério Público do Tribunal de Alcobaça disse que se encontrava pendente o processo administrativo com vista à regulação das responsabilidades parentais, como tal, não existia crime de subtração de menor, e mesmo se já houvesse regulação, seria apenas incumprimento do judicialmente homologado por sentença a resolver em sede própria. Por estes motivos as queixas do desaparecimento foram arquivadas.
“Receio” em indicar residência
A PSP chegou a conseguir contactar com a filha mais velha, aproveitando um exame na Escola D. Inês de Castro. A jovem disse que estava “tudo bem” com ela e com a irmã, e que “estranhava a preocupação do pai, visto que desde a separação este nunca ter demonstrado grande preocupação” com elas. Tinha “algum receio” em dizer o local exato da residência, para evitar que o pai as importunasse. A PSP concluiu que “nada leva a supor que as mesmas estejam contra a vontade ou sob coação a residirem com a mãe e o companheiro desta” e que era da vontade de ambas não contactarem com o pai, o que fez cair um eventual crime de sequestro.
Divórcio à revelia
A procuradora-adjunta do Ministério Público pediu a averiguação de existência de processos pendentes relativamente ao pai – nomeadamente de maus tratos ou queixas de violência doméstica – que pudessem justificar a eventual fuga da ex-mulher e das filhas de ambos, mas nada de irregular foi apurado.
O divórcio seria consumado à revelia por falta da mulher na audiência, o que motivou um pedido da juíza a diversas entidades para apurarem o seu paradeiro, inclusive ao SEF e à Embaixada de Portugal em Itália.
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