Para task force temos a cristalina expressão em português lídimo “equipa de trabalho”. E podemos encher várias páginas com variações como “força de missão”, “equipa especializada”, “grupo de tarefa”, “grupo incumbente”, et cetera.
Qual é então a razão para o uso desta expressão inglesa que nos soa tão obnóxia? Tem alguma relação com vacinas? Tem alguma relação específica com o que quer que seja? Não, é apenas o velho deslumbramento acrítico pelos estrangeirismos. Mas esta sedução é letal para a nossa língua.
Como diz Manuel Monteiro no seu livro Por Amor À Língua (Objectiva, 2018), de cada vez que optamos por um termo estrangeiro estamos a votar ao desuso um sem-número de termos portugueses equivalentes, estamos a promover o empobrecimento da nossa língua.
Apercebemo-nos disto? Vejamos esta expressão. “Aperceber-se” com o sentido de “dar conta de” ou “perceber” é cópia do francês s’apercevoir. Ao usarmos esta expressão estamos a preterir “atentar”, “dar fé”, “notar”, “reparar”, “dar tento”, “dar razão”, “advertir-se”, “cair na conta de”, “dar conta de”, “enxergar”, “dar por”, et cetera. Acontece o mesmo com o também galicismo “face a”, agora revigorado, talvez pela imposição das faces se apresentarem veladas.
Face, em português, significa apenas cara, rosto, semblante. Nada tem que ver com a expressão francesa faire face à. Substitua-se “face” por qualquer dos seus sinónimos e logo se perceberá o absurdo da expressão “face a”. Em vez de “face a” temos as portuguesíssimas formas “ante o/a”, “perante o/a”, “diante do/da”, “mediante o exposto”, “em relação a”… Assim como o pirosíssimo “nuance” não acrescenta nada a “cambiante”, “matiz”, “gradação”, “subtileza”, “coloração”, “tonalidade”, “especificidade”, “particularidade”, “pormenor”, et cetera. Igual importação de França é “o facto de” — le fait que/de. Neste caso, só temos de eliminar tal expressão. Não passa de trambolho oral e ortográfico. Não faz falta nunca.
Outro exemplo de tradução preguiçosa é o vocábulo “evento”. Acrescentou-se um o à palavra inglesa event e passámos a ter mais um modismo oco. Qual é a vantagem de se dizer “evento” se a seguir é necessário especificar se é um jogo de futebol, um concurso de cães ou um festival aéreo? Mas, para “evento” também temos “certame”, “acontecimento”, “sucedido”, “ocorrência”, “facto”, “episódio”, et cetera.
E o que dizer do sucesso da expressão “é suposto” e derivados, decalque equivocado do inglês it’s supposed? Um suposto, em português, é algo falso, enganoso, aparente. É isto que se quer dizer quando se diz que “é suposto”? Por que não “que se pensava”, “julgava”, “acreditava ser”, “é desejável que”, “pressupõe-se”, “convém”, et cetera?
Os estrangeirismos que por aí poluem textos e conversas nada acrescentam às palavras portuguesas ancestrais. Apenas as afastam do uso corrente e encurtam o nosso léxico. “Estandardizar” (standardize) que vantagem tem relativamente a “padronizar”, “uniformizar”? E “standard” relativamente a “padrão”, “protótipo” ou “modelo”? Para outro horrível anglicismo que é “implementar” (implement) temos “efectivar”, “efectuar”, “executar”, “fazer”, “aplicar”, “praticar”, “realizar”, “desenvolver”, “concretizar”… E feedback? E timing? E flyer? E full time? E gap? E refresh? E hall — e o mui risível “hall de entrada”? São incontáveis os exemplos.
Outro surto deplorável é “foco”, “focar”, “focalizar”. Mais um anglicismo redutor. Será por falta de “concentração” os nossos oradores não conseguirem “dar destaque”, “salientar”, “sobressair”, “enfatizar”, “relevar”?
E há mesmo aquelas expressões idiomáticas que, traduzidas à letra, resultam ridículas e confusas como “no final do dia” (at the end of the day), em vez de “ao fim e ao cabo”, “afinal”, “no fim de contas”. Ou dizer “avançar”, com o sentido do inglês “propor” (advance) ou “brifar” (briefing, e esta leva a palma), em vez de “reunir”, “conferenciar”, “articular”, “analisar”, “conversar”…
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