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“Não há possibilidade de se fazer a preparação dos cadáveres”

Agentes funerários das Caldas contra abertura de caixões em cemitérios

Marlene Sousa

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Em entrevista ao JORNAL DAS CALDAS, Jaime Neves, sócio-gerente da Funerária Neves, e Vítor Maia, responsável pela Funerária Caldense, revelaram que o número de mortos em janeiro deste ano mais do que duplicou em relação ao mesmo mês do ano passado. Explicam como os funerais mudaram em tempos de pandemia e os cuidados que têm na realização do trabalho. A parte mais difícil de ser agente funerário é lidar com uma família em luto. “Não há palavras. As pessoas precisam apenas do nosso carinho, de um ombro amigo”, referem, numa altura que “não se pode expressar os afetos com um abraço”. Relataram ainda que não concordam com a possibilidade de o caixão ser aberto durante a cerimónia fúnebre.
Jaime Neves com a sua filha na abertura do “Centro Funerário” nas Águas Santas (Estrada da Foz)

A possibilidade de o caixão ser aberto durante a cerimónia fúnebre, para se permitir uma breve despedida dos familiares, que decorre da atualização da norma da Direção-Geral da Saúde (DGS) para os funerais de vítimas de Covid-19, é contestada por Jaime Neves, sócio-gerente da Funerária Neves, das Caldas da Rainha. “É a pior coisa que a DGS se lembrou de fazer”, salientou. “O corpo é-nos entregue no hospital dentro do sudário e se o saco vem trancado é porque pode vir infetocontagioso”, alertou.

Como não podem recorrer a práticas tanatopráxicas para preparar o corpo, o empresário referiu que “é complicado estar a mostrar um rosto com marcas de sofrimento”. “Não há possibilidade de se fazer a preparação (maquilhagem, entre outros) dos cadáveres e ao abrir o caixão a família fica com uma imagem terrível do rosto do falecido que vai ficar na memória para sempre”, declarou.

Para o empresário, “não há condições de saúde, nem de segurança para a visualização dos cadáveres”, adiantou.

Jaime Neves afirmou que “o corpo deve ser reconhecido por um familiar, em ambiente hospitalar, quando a vítima de Covid-19 morre no hospital”, considerando que “a DGS não deveria descartar essa responsabilidade para os agentes funerários”.

O responsável da Funerária Neves considera que a atualização da norma foi “inadequada”, para além de ter acontecido num momento em que “as pessoas estavam conformadas com a situação”.

Quanto aos corpos que supostamente não têm Covid, o empresário alega que já “entram também na dúvida porque o cadáver passa pela casa mortuária e ao passar por lá nós não sabemos se vem infetado”.

“É complicado estar a mostrar um rosto com marcas de sofrimento”

O agente funerário diz que para já “não há nada que comprove que depois da morte não há infeção”.

Sublinha que “se já era difícil”, agora “as novas medidas da DGS vão dificultar o nosso trabalho, uma vez que o perigo que existe”. “Mesmo que digam que não afeta, há profissionais da atividade funerária que estão com Covid-19”, alertou.

O empresário registou no mês de janeiro e primeira semana de fevereiro “um aumento de mais de 50% de óbitos em relação ao mesmo período no ano passado”.

“Foi o prolongamento com maior quantidade de óbitos em relação a novembro e dezembro de 2020”, revelou, acrescentando que o mês de janeiro foi um “exagero, mais que duplicou, e a primeira semana de fevereiro continuou”.

“As esperas não foram muito grandes, tivemos serviços com uma espera de quatro a cinco dias o máximo. Está a haver uma procura muito superior às cremações, nós continuamos a ir a Leiria, não chegou haver lista de espera porque conseguiu-se praticamente em dois dias fazer a marcação”, relatou.

Esta agência possui um “Centro Funerário” nas Águas Santas (Estrada da Foz), que dispõe de sala de despedida, sala técnica (sala de preparação e conservação de cadáveres), escritórios, espaço de exposição de artigos funerários (caixões), armazém, garagens, sala de café, climatização e estacionamento. É um espaço onde podem levar os corpos depois de serem recolhidos. Antes da cerimónia, é dado algum tempo à família para se reunir e fazer a despedida, “mas sempre com a urna fechada”.

“Há excesso de trabalho do serviço de coveiro”

O centro funerário da agência Neves tem capacidade para quatro corpos no frio, mas “se houver mesmo necessidade podemos albergar seis a oito corpos”, explicou Jaime Neves, acrescentando que se trata de um espaço que “garante boas condições de permanência dos corpos até ao funeral”.

O excesso de trabalho do serviço de coveiro nos cemitérios municipais e paroquiais, e ainda da parte religiosa, é focada pelo agente.

O empresário falou dos tempos difíceis em termos emocionais. “É muito complicado para nós, mas também para as famílias, que vêm chocadas porque não esperavam ter uma morte tão repentina e ainda por cima com Covid-19″, declarou.

Para Jaime Neves, a vertente humana “é muito importante e há alguma dificuldade em fazer com que os familiares percebam as regras para os funerais”.

O responsável disse que até este momento não “há dificuldade em os familiares pagarem as despesas dos funerais”. “Somos obrigados por lei a ter o funeral social, mas eu nunca fiz nenhum e espero nunca fazer”, sublinhou.

“A DGS passou para nós o ónus da insegurança”

Vítor Maia, proprietário da Agência Funerária “Caldense”, também discorda da abertura de caixões com vítimas de Covid-19 nas cerimónias fúnebres. “A DGS passou para nós o ónus da insegurança “, afirmou.

O agente funerário diz que a norma da DGS é “vaga” e pouco esclarecedora. “É referido que o familiar tem direito de ver e reconhecer o corpo a cerca de um metro de distância. Mas quais condições? Não se especifica”, lamentou.

“Não sabemos se pode ser feito em âmbito hospitalar ou na morgue, que era o mais compreensível, mas não definem”, alertou.

Segundo Vítor Maia, a norma refere que a urna não poderá ser aberta a “menos de um metro de distância do falecido e que não se pode tocar na urna ou no cadáver”. “Então quem é que faz a abertura da urna e a abertura do saco para o familiar ver?”, questiona, interrogando: “Se é perigoso para o familiar não é perigoso para o agente funerário?”.

O empresário diz que o mais provável é “as famílias pedirem para abrir o caixão” e receia o que “poderá acontecer”. “As pessoas estão em sofrimento e podem ter reações, como aproximarem-se ou mesmo agarrarem-se à urna. E quem vai estar lá para impedir que isto aconteça ou para verificar se cumprem o distanciamento imposto?”, pergunta.

A atualização da norma reforça que não são permitidos velórios nos casos positivos para Covid e que todos os presentes na cerimónia fúnebre devem usar máscaras faciais. “Para a cerimónia fúnebre/funeral, o caixão deve preferencialmente manter-se fechado, mas caso seja esse o desejo da família, e houver condições, pode permitir-se a visualização do corpo, desde que rápida, a pelo menos um metro de distância. A visualização pode também ser conseguida através de caixões com visor. Em qualquer das situações não é permitido tocar no corpo ou no caixão”, refere a norma.

“O que muda na atualização da medida da passada semana é que a urna já se pode abrir. Se antigamente, inclusive o caixão tinha que levar uma fita plástica à volta para evitar a possível saída de alguma matéria que contaminasse, o que mudou agora?”, voltou a questionar o agente funerário.

“Então o vírus agora já não se transmite? E vamos permitir que os familiares vejam um corpo que não está preparado? Pode deixar marcas”, adianta. “Quando se apresenta um falecido à família existe um trabalho a jusante, nós tratamos da pessoa, barbeamos, maquilhamos, arranjamos, para criar o mínimo possível de impacto negativo aos familiares e nesta situação não acontece”, apontou.

O empresário pergunta se a DGS tem noção “das condições do cadáver para ser apresentado a um familiar?”. “Ficará com uma imagem traumatizante superior àquela que seria de não ver”, relatou.

Vítor Maia considera que mesmo com o equipamento que usam para ir buscar os corpos aos hospitais “não há segurança para abrir as urnas”. “Andaram cerca de um ano a impedir e agora de repente já passou o perigo? Então se já passou o perigo porque é que os familiares só podem ver a um metro de distância?”, mais perguntas do responsável.

“A norma é contraditória porque não diz onde, em que condições e quem deverá fazê-lo”, declarou.

Defende Vítor Maia que a identificação do corpo seja feita no âmbito hospitalar porque “já estamos num sítio preparado para o efeito e os profissionais da morgue já lidam com os corpos infetados”.

O responsável diz que já falou com outros agentes funerários e “todos estão contra a atualização da norma DGS para os funerais de vítimas de Covid-19”. “De certeza que não falaram com ninguém do setor para darem a sua opinião sobre o assunto”, declarou, acrescentando que “também os agentes funerários têm pais e mães e familiares que não querem infetar”.

“Os profissionais de funerárias devem ser vacinados nesta primeira fase por estarem em ambientes de risco”

Vítor Maia defende que “os profissionais de funerárias devem ser vacinados nesta primeira fase, por estarem em ambientes de risco e desempenharem uma atividade de primeira necessidade”.

Ao nível da segurança, o empresário refere que, após cada funeral, é feita imediatamente a limpeza e desinfeção das viaturas. Os profissionais usam máscaras, luvas e batas no seu trabalho de recolha dos corpos.

Destaca também a vertente humana dos profissionais do setor. “O nosso serviço não é só a cerimónia fúnebre”, salienta. Da preparação do corpo, ao acompanhamento no luto, passando pela burocracia, “o apoio humano que damos às pessoas que vêm cá é muito importante porque chegam aqui muito perturbadas”, relatou.

O empresário diz que a maior dificuldade que os familiares sentem é não poderem “fazer um luto normal e não poderem abraçar um amigo é muito duro”.

“Ouvimos muitas histórias e custa muito ter que lidar com a dor das pessoas que perdem alguém que lhes é querida”, declarou, acrescentando que “somos profissionais e temos que saber atender da melhor forma, dando sempre aquele ombro amigo”, disse Vítor Maia, que tem a Agência Funerária Caldense desde 2007.

Tem uma relação com funerais desde criança porque o seu pai tinha uma funerária. A história que o mais marcou foi “um homem das Caldas que faleceu de Covid que foi transmitido pelo filho e o funeral foi realizado enquanto a família estava toda em quarentena e não pôde assistir”. Recorda que todo o processo foi tratado à distância e por pedido da família “passámos com o veículo funerário na casa onde estava em quarentena”.

Quem define o número de pessoas a estarem presentes no funeral são as autarquias locais. Por exemplo nas Caldas da Rainha são permitidas 40 pessoas, em Óbidos e Alcobaça, só 20.

O empresário tem registado em janeiro de 2021 “um aumento de cerca de 50% de óbitos em relação ao mesmo período no ano passado”.

Quanto ao camião frigorífico nas traseiras do hospital das Caldas para guardar mortos, Vítor Maia afirmou que “já está lá desde o início da pandemia”. “No princípio a câmara frigorífica não foi utilizada, numa fase intermédia era pouco usada e nos últimos dois meses passou a ser muito usada”, contou.

“Aqui na minha casa ninguém deixa de realizar um funeral por não ter dinheiro”

A pandemia trouxe uma crise que está a afetar muitas famílias, que têm perda de rendimentos. O empresário diz que facilitam às pessoas que não podem pagar logo o funeral ou até chegar o reembolso da Segurança Social. “Os clientes estão com mais dificuldade, mas aqui na minha casa ninguém deixa de realizar um funeral por não ter dinheiro”, apontou.

“Existe o funeral social, que nos obriga a fazê-lo até aos 412 euros, mas se fôssemos fazer muitos tínhamos que fechar a porta”, lamentou.

Quanto à cremação, referiu que houve um aumento, mas nada como na grande Lisboa. “Posso dizer que 10% dos funerais são cremações, o que faz com que os crematórios da zona (Leiria, Santarém e Almeirim) sejam suficientes para se marcar uma cremação para um ou dois dias a seguir à morte.

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