Na prática, desde a década de noventa que temos assistido ao desmantelamento do setor industrial europeu executado pelas grandes multinacionais e a serviço dos grandes interesses económicos e financeiros. Ironicamente comandado por capitalistas e financeiros europeus, este movimento deslocalizante tercializou a Europa e tornou-a subserviente da capacidade produtiva da China e de outros países do Extremo Oriente.
Para trás ficou um continente viciado em altos padrões de consumo, com níveis de desemprego crónicos sempre crescentes e uma dependência doentia de crédito, necessário para adquirir os produtos das fabricas tercializadas para o Oriente.
A economia de serviços já provou nestas últimas décadas que não consegue compensar o emprego perdido pela evaporação do setor primário. Assim, para resolver o gravíssimo problema do desemprego crónico restam duas abordagens: ou bem que se reindustrializa a Europa, repondo as barreiras alfandegárias suprimidas na década de noventa ou bem que se concebe um sistema de distribuição de rendimentos completamente inovador. Ou bem que… se seguem simultaneamente as duas vias.
Defendemos a reinstalação das barreiras alfandegárias que existiam no começo da década de noventa e que defendiam a Europa das várias formas de dumping executadas pela China: fiscal (com subsídios descarados à exportação), ambiental (não tendo ou cumprindo leis ambientais ou tratados internacionais), laboral (reduzindo ao mínimo os direitos e remunerações do trabalho) e humano (usando a censura, a repressão e a ditadura para manter as massas ausentes de qualquer contestação ou revolta social). A reposição destas barreiras permitiria criar um ambiente económico propício ao regresso das indústrias perdidas para o Oriente e reorganizar, assim, a criação de emprego e valor na Europa.
A segunda via é menos convencional e passa pela necessidade de refletir sobre formas diferentes de repartição da riqueza. E uma reflexão que pode ser feita é aquela de saber se o “salário” ou remuneração direta do trabalho como principal forma de rendimento do cidadão deve ser reequacionado. Talvez tenha chegado a época de converter estas economias do “trabalho” em economias do “lazer”, entendendo aqui “lazer” não como ócio ou indolência, mas como o espaço que a sociedade abre para que os cidadãos possam dedicar o seu tempo e os seus recursos à produção e consumo de bens imateriais (como a cultura) e a fazerem gratuitamente aquilo que melhor os realiza ou de onde retiram mais satisfação intelectual, reconhecimento social ou maior capacidade criativa. Esse “lazer” ocuparia assim todo o espaço ocupado pelas tarefas repetitivas e que não requerem ao homem a sua inteligência ou criatividade e libertaria a totalidade da tremenda energia criativa que existe latente e desaproveitada em todos nós.
Neste modelo de sociedade, todos teriam trabalho mas ninguém teria emprego. Não no sentido de haver obediência a um horário ou a uma hierarquia. Toda a obediência seria em função de objetivos pessoais e deveres comunitários, assumidos contratualmente por objetivo e livres de qualquer forma de remuneração. As entidades empregadoras (públicas ou privadas) seriam responsáveis por pagar os seus impostos (mais elevados que atualmente), mas não pagariam salário a ninguém, cabendo posteriormente ao Estado ou às Câmaras Municipais (descentralização municipalista) a missão de distribuírem de forma uniforme e equitativa esses rendimentos assim recolhidos às empresas.
Esta fórmula inovadora permitiria resolver o problema crescente da desigualdade de rendimentos (particularmente grave em Portugal), aliviaria as empresas da carga administrativa de terem que manter complexos e sempre questionáveis sistemas de remunerações e benefícios, facilitaria de forma radical o recrutamento da massa cada vez maior de desempregados qualificados e experientes que hoje ilustram de forma perfeitamente cabal o disfuncionamento do mercado laboral e incitaria todos a trabalharem melhor e apenas nas áreas que efetivamente possuem vocação, vontade ou qualificações, já que o sistema garantiria a todos o indispensável para satisfazer todas as necessidades básicas. Obviamente, haveria tarefas que por serem demasiado desumanas ou perigosas não seriam disputadas por ninguém, mas aí entraria a automação e a robótica…
O sistema do Rendimento Médio Garantido resolveria assim o problema hoje insolúvel do desemprego júnior e sénior crónicos, fazendo regressar a uma profissão ativa os milhões de inativos das sociedades ocidentais modernas, estimulando todos a exercerem apenas as atividades profissionais onde são mais capazes e as organizações a libertarem-se dos traumas e penas associados ao recrutamento.
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