Em particular, os londrinos (nacionais e expatriados) estão apavorados com a indiferença do truculento e temerário Boris perante a falta de um acordo com Bruxelas. Em Londres, no infeliz referendo sugerido por Cameron em 2016, votou-se esmagadoramente pela permanência na UE, em consonância com a Escócia e a Irlanda do Norte, mas em contraste com a maioria dos britânicos (ingleses e galeses).
Sendo britânico todo o cidadão que nasça em qualquer dos quatro países do Reino Unido, confunde-se “britânico” com “inglês”, talvez por a Inglaterra ser dos quatro o maior país. Assim, o acrónimo “Brexit” expressa sobretudo a vontade dos ingleses, dos quais se exceptua a população londrina, cosmopolita, misturada com imigrantes de todo o planeta desde há muito.
Em Londres há 37% de expatriados, sendo 9,3% a média no resto do Reino Unido. A integração na UE beneficiou sobretudo os londrinos: o rendimento per capita londrino era, em 2016, 77% mais elevado que no resto do Reino Unido. Londres floresceu nestes anos de pertença à UE. Pessoas de todo o mundo foram residir para Londres e o Reino Unido passou a viver em grande parte das receitas dos impostos de Londres.
Mas, fora de Londres, grassam uma pobreza e desigualdade gritantes, mobilizadoras das hostes da Brexit (diz-se e escreve-se «o Brexit», mas não faz sentido, uma vez que saída é substantivo feminino). A pobreza e a desigualdade recrudescerão após a saída, pois a Union Jack, deixando de estar perfilada entre as bandeiras da UE na fachada do Berlaymont, perde o encanto para os 53 países da Commonwealth e a restante África. Os tempos são outros, claro. Para a União Europeia que fica, a saída do Reino Unido, combinada com a desastrosa escolha de representantes nacionalistas e euro-cépticos que resultou das últimas eleições europeias, trará repercussões de uma gravidade ainda inimaginável.
Com a inevitável desvalorização da libra, os turistas britânicos, que em Portugal são entre 21% a 28%, viajarão muito menos. Na área dos serviços financeiros, sem acordo, o Reino Unido sairá da SEPA (Single Euro Payments Area — Área Única de Pagamentos em Euros) e deixará de haver transferências bancárias imediatas, passando a haver taxas mais elevadas para levantamentos ou depósitos em bancos britânicos. Segundo a CIP, as relações comerciais mais afectadas serão nos sectores automóvel, informático, óptico, eléctrico e electrónico, com quedas de vendas para o Reino Unido entre 15% e 26%.
Calcula-se que o investimento directo britânico cairá entre 0,5% e 1,9%. Deixará de se aplicar a Pauta Aduaneira Comum da UE às trocas comerciais, fazendo subir significativamente os preços para os dois lados. Apenas o custo das compras online manter-se-á, pois a desvalorização da libra compensará a subida dos direitos aduaneiros. Mas, após a Brexit, as deslocações de e para o Reino Unido, com a reintrodução das fronteiras, tornar-se-ão mais complicadas e morosas, prejudicando gravemente o transporte de passageiros e mercadorias.
Observando de fora, é difícil perceber o que leva os britânicos a precipitarem-se neste abismo. Mas a perplexidade também vem de dentro. Martin Wolf, reputado comentador de economia do Financial Times, declarava numa crónica do passado dia 11 de Julho (intitulada Brexit means goodbye to Britain as we Know it) que “O Reino Unido que o mundo julgava conhecer — estável, pragmático e respeitado — desapareceu, possivelmente para sempre”. Também Christopher Andrew, professor emérito de História Moderna e Contemporânea em Cambridge, numa entrevista publicada no semanário Expresso em 3 de Outubro, considera que, numa escala de insanidade terminal, só a invasão do Suez em 1956 rivaliza com a Brexit.
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