O festival abriu portas numa das treze exposições que inauguraram nesse dia e que fazem parte do programa do evento. Tendo como pano de fundo algumas das fotografias da escritora Hilda Hilst captadas por Fernando Lemos, o autarca de Óbidos começou por destacar os parceiros do festival, que “sem eles seria impossível levarmos a cabo um evento desta dimensão, sobretudo, pela falta de apoios”.
A quarta edição do FOLIO, que tem como orçamento 256 mil euros, versa sobre o tema “Ócio, Negócio — A Invenção do Futuro”.
Dividido em cinco capítulos (Autores, Folia, Educa, Ilustra e Paralelo), como nos anos anteriores, o festival este ano apostou na “contemporaneidade que nos inquieta”, juntando leitores e autores da modernidade em locais improváveis para refletir sobre “o mundo no futuro”. Além disso teve a preocupação de envolver as comunidades, convidando “autores locais a serem figuras principais no palco principal”, bem como na internacionalização de autores e programadores de outros festivais literários no FOLIO.
Telmo Faria, da direção da Sociedade Vila Literária, Associação Cultural, referiu que “o FOLIO é a verdadeira poesia da nossa vila, que tem como função abrigar durante onze dias cinco capítulos, que na verdade são pretextos para podermos fazer de Óbidos o palco principal daquilo que é a cultura”.
A mostra inaugurada na altura, intitulada “Hilda Hilst – Fotografias de Fernando Lemos”, proveniente do Brasil, que está patente no Museu Municipal, reúne 16 fotografias da escritora aos 29 anos, pouco depois da chegada do português a São Paulo. Essas imagens resultam de uma sessão fotográfica realizada no Bairro de Santa Cecília, onde o fotógrafo se estabeleceu em 1953, quando deixou Portugal, dominado pela ditadura de Salazar.
O ensaio fotográfico com a ficcionista, cronista, dramaturga e poetisa brasileira, homenageada este ano na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), no Brasil, esteve patente nesta cidade brasileira, em julho, durante o certame, e foi acompanhada da edição de um livro, com textos de Augusto Massi.
Patente no mesmo local está a exposição “Palabra de Honor – Retratos a Lápis dos Poetas da coleção”, cedida pelo Instituto Cervantes, de Espanha.
Após o ato inaugural a comitiva, que contou com a presença da secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, seguiu para a Casa da Música, onde estão expostos vinte retratos a lápis da autoria do pintor e designer gráfico Juan Vida, nascido em Granada (Espanha). Através dos retratos, o artista expõe a sua visão dos poetas publicados pela editora Visor Poesia, na coleção “Palavra de Honra”.
Outra das exposições visitadas foi a mostra de fotografia “Retratos de escritores: 1970 – 2018”, patente na Casa da Editora Tinta-da-China, que pelo segundo ano consecutivo tem um espaço próprio no FOLIO.
O espaço dá a conhecer trinta retratos de escritores, dos quais “apenas três (Mia Couto, José Eduardo Agualusa e Ruben Fonseca) não são portugueses, e apenas um (Jorge Luis Borges) não escreve em português”, referiu a editora Bárbara Bulhosa. Esta mostra, segundo a responsável, tem como intenção “homenagear os melhores escritores fotografados por Alfredo Cunha”, numa seleção de 30 das 500 fotografias que fazem parte do livro, que será publicado pela Tinta-da-China.
Posteriormente, a comitiva deslocou-se aos antigos armazéns da EPAC, onde está patente uma seleção de trabalhos realizados por alunos finalistas dos cursos de licenciatura e mestrado em Artes Plásticas da Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha. Além dos antigos armazéns, os alunos da licenciatura em Design de Produto Cerâmica e Vidro também têm os seus trabalhos expostos no Centro de Design de Interiores (CDI).
No mesmo dia foram inauguradas as exposições que estão patentes na Biblioteca Municipal de Óbidos, “Depois do Folio – Livro livre 2017”, elaborada pelos alunos do Complexo Escolar do Furadouro, do Agrupamento de Escolas Josefa de Óbidos, bem como na Capela de S. Martinho, onde pode ser vista “Abaeté”, uma vídeo-instalação de Cláudia Dowek. Igualmente as ruas da vila foram invadidas pelas ilustrações de Nuno Saraiva, que compõem a mostra “Moléstias, Embustes e Pontinhos Amantes”.
Celebração dos vinte anos da atribuição do Nobel a Saramago
O vigésimo aniversário da atribuição do Prémio Nobel da Literatura a José Saramago marcaram a primeira conversa da edição deste ano do FOLIO, juntando Anabela Mota Ribeiro, Pilar del Rio e Ricardo Viel, autores dos três novos livros sobre Saramago a publicar neste outono.
A escritora Anabela Mota começou por sublinhar que “temos motivos que sobra para celebrar, pois são os vinte anos da atribuição do prémio a Saramago”, adiantando que existe uma “série de iniciativas previstas para os próximos meses”.
No âmbito das comemorações está prevista a realização do Congresso Internacional “José Saramago: 20 Anos com o Prémio Nobel”, que decorrerá entre 8 e 10 de outubro, no Convento de São Francisco, em Coimbra, bem como um conjunto de exposições, conferências e recitais.
Essas iniciativas, segundo Pilar del Rio, companheira de muitos anos do escritor falecido em 2010, são “adequadas” para “comemorar e lembrar quem nos deu tanto”. Prevê ainda quer em Portugal quer em Lanzarote “muitas leituras públicas”.
Além dessas iniciativas foram abordados os dois livros que serão lançados durante o Congresso Internacional de Coimbra, como é o caso da obra “Último Caderno de Lanzarote”, da Porto Editora, que é um diário inédito do autor, descoberto casualmente por Pilar del Rio já depois da sua morte, e ainda “Um país levantado em alegria”, de Ricardo Viel.
Durante a conversa a presidente da Fundação José Saramago também recordou diversos momentos, incluindo aquele em que teve conhecimento da atribuição do prémio e “a loucura” em que se transformou esse ano.
Na Casa José Saramago também estão patentes outras três exposições, integradas na coletiva da European Union Cultural Network (EUNIC).
No mesmo dia foi exibido ainda o documentário “Labirinto da Saudade”, como forma de homenagem a Eduardo Lourenço.
Prémio Nacional de Ilustração entregue a Madalena Matoso
No passado sábado foi inaugurada a PIM – Mostra de Ilustração para Imaginar o Mundo, que está integrada na programação do Festival Literário, e ainda foi entregue o Prémio Nacional de Ilustração, promovido pela Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), à ilustradora Madalena Matoso, que não esteve presente na entrega do galardão, por se encontrar em trabalho na República Checa.
A edição deste ano do Prémio Nacional de Ilustração contou com um júri composto por Maria Adriana Baptista, investigadora e docente da Escola Superior de Media e Artes e Design do Instituto Politécnico do Porto, Jorge Silva, designer e investigador na área da ilustração, autor do blogue Almanaque Silva, e Ana Castro, técnica superior da DGLAB, que considerou que a obra da ilustradora “exibe uma coerência organizada numa arquitetura labiríntica quase abstrata sem, no entanto, ousar criar o caos”.
Esta foi a segunda vez que Madalena Matoso venceu o Prémio Nacional de Ilustração, depois de, em 2008, ter recebido o galardão pelas ilustrações do livro “Charada da Bicharada”, de Alice Vieira. Desta vez foi com a obra “Não é nada difícil”, que foi editada no ano passado pelo Planeta Tangerina, e que esteve em destaque na feira de negócio livreiro de Nova Iorque, em maio, tendo sido reconhecida como uma das trinta melhores obras visuais e de ilustração de todo o mundo.
Neste livro, Madalena Matoso procurou desenvolver a narrativa à medida que o leitor ultrapassa labirintos ilustrados.
Além do prémio também foram atribuídas duas menções especiais a Abigail Ascenso, pelas ilustrações da obra ‘A Noite’, com texto de Manuel António Pina, publicada pela Assírio & Alvim”, e a Joana Estrela, pelas ilustrações da obra ‘A Rainha da Noite’ (texto da própria), publicada pelo Planeta Tangerina”. Quer a ilustração vencedora quer as menções honrosas estão expostas na mostra que está patente na Galeria Nova Ogiva.
Para entregar o galardão esteve presente, pelo terceiro ano consecutivo, o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, que considerou que a exposição “é um acontecimento obrigatório no mundo da ilustração portuguesa”, integrada num festival “que é muito importante que se mantenha e progrida”, numa vila “transformada numa festa do livro e da leitura”.
Também destacou que os “prémios promovem literacia vista como a capacidade de todos poderem alcançar as mais mediáticas questões culturais”. É por isso que as “políticas dos livros e da leitura são essenciais para o desenvolvimento de uma literacia plena, complementada com o apoio à edição, à criação, à promoção, ao reconhecimento e à divulgação do que se produz em Portugal”.
O ministro também sublinhou que o seu ministério aposta “numa política do livro e da leitura em que os criadores encontrem eco da sua produção, na vontade de os utilizadores usufruírem das suas obras” e onde “as livrarias e bibliotecas sejam locais de encontro, exploração, descoberta e construção de saberes”.
No mesmo dia decorreu o “Dia Europeu das Línguas”, que contou com um programa cultural diversificado e atividades para toda a família, permitindo que os participantes experimentassem as línguas e culturas de diferentes países europeus. Essa iniciativa foi promovida pela EUNIC Portugal – organização sem fins lucrativos com sede em Lisboa, em parceria com o Município de Óbidos e o apoio da Representação da Comissão Europeia em Portugal.
Uma das mesas de autores mais movimentadas
Nesta edição também marcou presença pela primeira vez, no passado sábado, numa das mesas de autores, o escritor angolano Pepetela, que já editou duas dúzias de obras.
Na conversa com Ondjaki, também escritor angolano, o autor do livro “Sua Excelência de Corpo Presente”, na Livraria da Adega, admitiu que esta possa ser a sua última obra sobre a realidade histórica angolana, país que considerou que entrou num “novo ciclo”, apesar de a corrupção continuar a ser um problema.
Perante uma sala cheia, o vencedor do Prémio Camões em 1997 afirmou que “este livro é capaz de ser mesmo o último porque está a ser muito difícil gerir o pós escrita”, apesar da “escrita ser sempre divertida”.
No caso desta obra, que foi lançada recentemente em Luanda e que já está disponível no mercado português pelas Publicações Dom Quixote, aborda “uma realidade que conheço e que conheci mas bastante geral do continente africano”, que sofreu ao longo dos anos “uma espécie de ciclos”.
Contudo, sublinhou que Angola “está diferente”, desde que “de há um ano para cá a esperança renasceu, há menos guerras e claramente mudanças”, como por exemplo, o caso das recentes detenções de um antigo ministro, do antigo governador do Banco Nacional de Angola e até de um filho do ex-presidente José Eduardo dos Santos.
Na sua opinião “o mundo vê o país de uma forma um bocado diferente”, mas “não suficientemente diferente para investir o seu dinheiro lá”.
Apesar dessas mudanças mantém-se “um problema quase insolúvel, a questão da corrupção, da impunidade e dos privilégios que alguns têm, particularmente na função pública”.
Para o autor, a obra “Sua Excelência de Corpo Presente” pode ser uma espécie de ajuda para fechar um ciclo, partindo para “um novo”. Além disso é “um livro extremamente político”, que foi lido pela primeira vez pela sua neta.
Igualmente recordou que demorou “seis anos” a escrever a obra, onde “um ditador africano jaz deitado num caixão, mas que, apesar de morto, vê, ouve e pensa, entretendo-se a recordar as peripécias vividas com muitos dos que lhe vieram dizer adeus”.
Pepetela também disse que nenhum dos personagens da obra “corresponde realmente a qualquer pessoa”, sendo “capaz de ser uma ajuda para fechar aquele ciclo”, no país, e na escrita do autor, que vai dedicar-se a “livros mais pequenos, com mais ficção e menos personagens”.
O dia terminou com o concerto de Mafalda Veiga, com a convidada especial, Ana Bacalhau.
Ricardo Araújo Pereira arrancou gargalhadas
O humorista português, que também já tinha estado no primeiro dia do festival a acompanhar o “Governo Sombra”, regressou no passado domingo a Óbidos. Mas desta vez para o lançamento do seu livro “Estar Vivo Aleija”, que segundo a editora, Bárbara Bulhosa (Tinta-da-China), é o seu “melhor”.
Na Casa da Tinta da China, Ricardo Araújo Pereira falou perante mais de uma centena de pessoas que, antes de começar a sessão, já tinha enchido a sala.
Começou por ler uma das crónicas da obra, que foram publicadas durante o último ano e meio no jornal Folha de S. Paulo, no Brasil, confessando que tem uma “certa dificuldade em escrever para brasileiros”, pois não tem “a certeza de partilhar as mesmas referências”, como é o caso do anterior presidente da república, Cavaco Silva, em que “os brasileiros não conhecem e são um povo muito mais feliz”. Isso requer um “esforço” do humorista para “falar de coisas que sejam entendidas, por qualquer ser humano”.
Questionado pelo público se poderia ser o próximo candidato a Presidente da Republica, Ricardo Araújo Pereira respondeu que “o meu trabalho é fazer pouco dele”, por isso, “não há hipótese de isso acontecer”, porque tal seria “uma despromoção” que não está disposto a aceitar.
Além disso referiu que é “melhor para a sociedade que eu tenha uma profissão em que não tenho responsabilidade nenhuma”, adiantando que “o discurso humorístico tem caraterísticas que o outro não tem”.
A propósito da pergunta de uma leitora sobre se o humorista tencionava escrever sobre o candidato à presidência do Brasil Jair Bolsonaro (PSL), Ricardo Araújo Pereira recordou um episódio passado durante o carnaval, em que “uns energúmenos quaisquer inscreveram-se para sambar, em celebração não só da ditadura militar, mas também das torturas da polícia política”. Contudo, o grupo foi proibido de participar nos desfiles carnavalescos e na sua obra o humorista manifesta-se “contra essa proibição, porque um idiota deve poder sambar”.
Igualmente considerou que “acho perigoso que no Brasil o Bolsonaro possa dizer, na Câmara dos Deputados, eu voto pela destituição da Dilma em homenagem ao homem que a torturou’ e depois, no carnaval, as mesmas bestas não possam sambar”, adiantando que isso “significa no Brasil, que o carnaval é mais respeitável que a Câmara dos Deputados”. Além disso referiu que “toda a gente deve poder dizer coisas muito absurdas e ofensivas, desde que sejam devidamente enquadradas”.
Além de criticar o candidato à presidência do Brasil, o humorista, que vai voltar em janeiro à Rádio Comercial, emocionou-se ao falar da morte de um dos seus cães, sendo um dos poucos momentos sérios do encontro.
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