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Ex-presos políticos falaram sobre o “limite da dor” na Biblioteca das Caldas

Mariana Martinho

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A poucos dias de celebrar os quarenta e quatro anos depois do 25 de abril, as duas uniões de freguesias das Caldas da Rainha promoveram, na passada sexta-feira à noite, na Biblioteca Municipal, a apresentação do livro "No limite da dor. A tortura nas prisões da PIDE", que começou por ser um programa de rádio na Antena 1, passando para a escrita relatos de antigos presos políticos e do muito que passaram nas mãos da polícia política do antigo regime.
Painel de oradores na apresentação do livro

Da autoria da jornalista Ana Aranha e do ex-investigador da PJ, Carlos Ademar, esta obra é uma “homenagem à coragem de todos os lutadores, humilhados e torturados”, que resgataram um passado em testemunhos intensos, como foi o caso do ex-preso político, José Pedro Soares, que também esteve presente na iniciativa, bem como de Eduardo Pires.

Não é o primeiro livro sobre o tema, mas é a mais recente coletânea de entrevistas a ex-presos políticos que foram vítimas do período fascista. Com testemunhos inéditos de homens e mulheres de todas as condições sociais, o livro “No limite da dor. A tortura nas prisões da PIDE”, editado pela Parsifal e apresentado há quatro anos, na Fortaleza de Peniche, no âmbito dos 40 anos do 25 de abril, procura ser “uma homenagem a todos eles” e “um antídoto” contra quem defende “a instauração de um Estado totalitário”.

Desde a sua apresentação, a obra tem andado a correr o país com apresentações e conversas sobre o tema. Apesar da falta de interesse das pessoas por este tema, a autora disse que “em boa hora fiz este livro, que mesmo passados quatro anos ainda andamos a apresentá-lo por vários sítios do país”. Acompanhada de António Redol, em representação da Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo, e de dois ex-presos políticos, José Pedro Soares e Eduardo Pires, a jornalista fez questão de destacar “as milhares de pessoas que lutaram para que hoje estejamos aqui, no mês de abril, para falar da luta contra a ditadura”.

Apesar de a apresentação não contar com a presença de Carlos Ademar, também autor da obra, perante uma plateia composta por vários curiosos, Ana Aranha explicou que quando decidiu entrevistar antigos presos políticos, tinha “alguns objetivos mas também algumas preocupações”. Tudo porque, “estamos a falar de situações muito complexas do ponto de vista emocional, psicológico e físico”.

A jornalista leu o prefácio da historiadora Irene Pimentel, pois foi “quem me incentivou e ajudou-me” nas entrevistas.

Relativamente ao título, “No limite da dor”, esclareceu que “a palavra limite traduz tudo aquilo que eu pretendia”, ou seja, testemunhos de pessoas que tivessem “resistido até ao limite, sem prestar declarações à PIDE”. Igualmente pretendia entrevistas com presos que sob a tortura acabaram por prestar declarações, sendo essa a “questão mais complexa”.

Apesar de “não ser fácil falar deste tema”, parecia-lhe que chegara o momento de “dar voz aos ex-presos políticos para contarem a sua experiência de luta antifascista, de forma refletiva”.

Os entrevistados foram pessoas de diferentes formações políticas, que contaram os sofrimentos, os medos, mas também a coragem que sentiram na época e a forma como têm vivido e convivido com esta parte do seu passado. Entre eles, podemos encontrar os testemunhos inéditos de Fernando Rosas, Edmundo Pedro, Conceição Matos, Helena Pato, Joaquim Monteiro Matias, José Pedro Soares, Justino Pinto de Andrade ou Luís Moita, entre muitos outros.

De acordo com a jornalista, “todos tinham aspetos comuns”, contudo, uns guardam “mágoa” e outros “carregam o sofrimento de terem sido presos, bem como o alívio e a honra de dizer que resistiram”.

Nesse sentido, a autora afirmou que o livro procura ser “uma homenagem que se estende a todos os presos políticos”, que ofereceram um “sacrifício pessoal muito forte”, em nome de um ideal de liberdade e democracia. Por isso, alertou para o dever de gratidão para com estes homens e mulheres, e sobretudo “aqueles que não viveram esses tempos”.

Já António Redol, em representação da Associação Promotora do Museu do Neorrealismo, felicitou Ana Aranha pelo “privilégio de ouvir a experiência dolorosa das pessoas entrevistadas nas prisões da PIDE”. Apesar destes testemunhos, que “não contaram tudo”, António Redol afirmou que “há muitas pessoas que passados 44 anos não querem fazê-lo”.

O representante sublinhou que o programa de rádio, emitido na Antena1, “de facto tornou-se num serviço inestimável a todos nós e ao país, porque veio colocar o assunto outra vez na agenda”.

Torturado durante 33 dias e noites

Natural do concelho de Vila Franca de Xira, José Pedro Soares, filiado no PCP, foi um dos presos políticos com mais tempo de tortura e espancamento na prisão da PIDE. Segundo Ana Aranha, o seu “depoimento foi impressionante”.

Trabalhava durante o dia e estudava à noite na escola técnica, quando criou com um grupo de amigos um movimento associativo contra o fascismo e a guerra colonial, mas a favor da libertação dos presos políticos. Contudo, em 1971, quando tinha 21 anos, acabou por ser preso, tendo sido libertado três anos mais tarde, no dia seguinte ao 25 de Abril de 1974. “Fui torturado durante 33 dias e noites, no total 820 horas”, referiu o ex-preso político, esclarecendo que foi preso devido à denúncia de um outro preso político, que acabou “por passar para o lado da PIDE”.

Esteve preso em Caxias e Peniche, onde afirmou que foi “alvo de torturas, espancamentos, pontapés e joelhadas, deixando a verter sangue por diversas vezes”, recordou com amargura José Pedro Soares. “Isto é uma coisa difícil das pessoas acreditarem”, sustentou.

Apesar de tantos dias sob tortura, o orador referiu que “recusei-me sempre a falar”.

Durante os interrogatórios, o ex-preso político relembrou que “estavam sempre presentes dois polícias na sala, que diziam “ou falas ou morres”. Era um autêntico inferno”. Ao longo desses dias, apenas “dormi uma noite”.

Igualmente disse que “nenhum preso esteve tanto tempo em interrogatório como eu”.

Após ter sido julgado e condenado, por pertencer à oposição democrática, ser membro do Partido Comunista Português e lutar contra a guerra colonial, José Pedro Soares permaneceu isolado numa cela, “num ambiente de grande destruição física e psicológica”.

Para ele, “não é fácil falar sobre estas coisas”, pois considera que o seu caso “foi o mais grave” de todos. Hoje em dia, o ex-preso politico ainda tem “marcas no corpo”.

O convidado sublinhou o facto de que “quase meio século depois é interessante ver como a revolução tem esta vivacidade toda” na sociedade. Relativamente à obra disse que é um “registo educativo sobretudo para as novas gerações”.

“Na prisão ou falavas ou eras torturado”

Apesar de não ser um dos entrevistados do livro, Eduardo Pires também foi um dos muitos presos que tiveram uma “pequena experiência na prisão da PIDE”. Preso com apenas 25 anos, sublinhou que “na prisão ou falavas ou eras torturado”.

Esteve preso durante cinco dias na prisão de Caxias e “nunca fui espancado, apenas sofri a tortura do sono, até que a certa altura comecei a ter alucinações”. Mas mesmo assim, esclareceu que “resisti a essa tortura por duas razões”, a primeira porque estava ligado a movimentos concretos e o segundo, devido às histórias “aprendi a comportar-me na prisão”.

Outro aspeto que focou foi que “as pequenas vitórias que tínhamos contra a PIDE dava-nos confiança que podíamos sobreviver áquilo”, tendo recorrido uma vez ao pó de talco para escrever uma mensagem aos familiares durante as visitas.

Eduardo Pires aproveitou para recordar que mesmo passados 44 anos depois do 25 de abril “a luta continua”. Aliás, frisou que “não há garantia que amanhã não tenhamos uma situação semelhante”. “Nas condições que o mundo está temos de estar atentos e ser críticos”, apontou.

Igualmente salientou a importância deste tipo de “livros maravilhosos também passarem para filmes”, defendendo que os apoios às artes “deviam de ser aumentados para isso”.

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