Se pensarmos bem, toda a exaltação que é feita do género feminino na poesia, na pintura, na escultura, na arte em geral, e toda a deferência institucional ou religiosa de efemérides como o Dia Internacional da Mulher ou o Dia da Mãe, são um hino à hipocrisia e só farão aumentar a nossa vergonha, culpa e embaraço colectivos pelo modo discriminatório, desprezível, como as sociedades têm tratado desde sempre as mulheres.
A consequência primeira da arbitrariedade e desprezo androcêntrico é a violência impune. Segundo a AMCV (Associação de Mulheres Contra a Violência), mais de 600 milhões de mulheres continuarão a viver em países onde a violência contra as mulheres não é considerada um crime.
Depois, vem uma concepção beócia e sempre oportunista de menoridade. Em Portugal, segundo os últimos dados do Eurostat (o Gabinete de Estatísticas da União Europeia), dá-se até a ignomínia de a descriminação das mulheres ter aumentado neste século, durante os anos negros da troyka, colocando-nos como o terceiro pior país da Europa, atrás do Chipre e da Espanha. Houve, durante o eufemisticamente chamado “período de ajustamento”, um número significativo de patrões portugueses que, a pretexto da crise económica, procuraram aumentar os seus lucros e a produtividade das suas empresas “ajustando” assimetricamente o salário e os direitos laborais das suas funcionárias.
À semelhança do que se passa em todo o mundo, e segundo uma pesquisa recente do jornal Público, baseada na plataforma Central de Dados dos CTT, apenas 15% dos nomes próprios usados para designar as ruas das cidades portuguesas são de mulheres. Em 40% destes, não se conhece o título que antecede o nome (e que explicaria a razão da homenagem). Dos restantes, cerca de um terço são de figuras religiosas, das mesmas religiões que menorizam e subjugam a mulher em todas as dimensões do seu ser. A hipocrisia, a má-consciência, é a matriz institucional das sociedades (também) no que respeita à igualdade de género. Em Portugal, só a existência de uma lei que obriga a uma cota mínima de género (33,3% nas administrações e nos órgãos de fiscalização das empresas públicas e das empresas cotadas em bolsa, e a replicar não se sabe quando no sector privado) atentamente fiscalizada pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) e pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), impede que a desproporção seja ainda maior, apesar de, actualmente, 20,4% das mulheres portuguesas terem nível universitário contra apenas 14,9% dos homens, e Portugal se destacar por 44% da investigação no ensino superior ser feita por mulheres, quando a média mundial é de apenas 28,4% (dados do Centro de Investigação e estudos de Sociologia). De resto, ninguém percebe porque é que, a ter de haver uma cota de género, se definiu 33,3% e não 50%.
No entanto, é impossível ignorar o facto de ter sido também da responsabilidade das mulheres, enquanto mães, cônjuges e educadoras, a reprodução generalizada deste modelo social machista e misógino.
Relegar as mulheres para segundo plano, além de ser ética e moralmente inqualificável, sempre foi e será um desperdício estúpido, pois prejudica toda a sociedade. Baseado no The Gender Gap – 2016, o Fórum Económico Mundial estima que esta estupidez imoral, esta assimetria entre homens e mulheres nos domínios da participação laboral, das oportunidades económicas, educação, empoderamento político, saúde e sobrevivência, ao ritmo das mudanças ocorridas em 144 países observados, demore 170 anos a ser resolvida. Esteja ou não correcta esta estimativa, será sempre demasiado tempo, e o relatório de 2017 dá uma perspectiva ainda pior, pois em mais de metade desses países houve, como em Portugal, retrocessos.
Só há vantagens em ultrapassar o mais rapidamente possível esta retrógrada e ridícula dicotomia entre homens e mulheres, legalmente e no dia-a-dia. Vamos sempre mais longe, damos sempre um contributo maior e de melhor qualidade, quando somos reconhecidos e respeitados. A família e a escola têm um urgente caminho a percorrer em direcção a uma sociedade paritária e justa.
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