Por norma jogavam na mesma equipa, pois tinham criado uma empatia especial desde o dia em que se conheceram. Ambos filhos únicos, cada um deles representava para o outro o irmão que efetivamente não tinham.
Também na escola andavam quase sempre juntos. Pertenceram à mesma turma até ao 9º ano, mas a partir do 10º escolheram áreas diferentes. No entanto, mantiveram o contacto e a sua amizade não foi afetada. Ambos seguiram para o ensino superior, mas cada um na sua área de conhecimento. Atualmente o João é professor, e o Carlos tem uma empresa própria.
Já há algum tempo que não se viam. O Carlos decidiu ligar ao João um destes dias, desafiando-o para almoçar: “Então João, como estás tu, pá?! Temos que ir almoçar e pôr a conversa em dia!”. O João aceitou sem hesitações, e lá foram almoçar dois dias depois.
Carlos: “Então João, como vão as coisas? Está tudo bem lá por casa? A Sandra e os miúdos estão bem?”
João: “Tudo do melhor. E a Rita e os garotos também?”
Carlos: “Sim, felizmente estamos todos bem. Então e na escola, como vão as coisas? Isso de aturar garotada todos os dias não deve ser fácil. Gabo-te a paciência. O que vale é que agora tens um Governo “amigo”, que vos dá tudo o que vocês querem.”
João: “Lá estás tu! Nós só estamos a lutar por aquilo que temos direito. É mais que justo que nos reponham o que nos tiraram no passado. Nós não temos culpa da crise por que o país passou.”
Carlos: “Então e os empresários, como eu, tiveram alguma culpa? Eu também queria que alguém me repusesse o que perdi nos piores anos da crise. Fui obrigado reduzir drasticamente custos na minha empresa, que ainda assim esteve quase a fechar por quedas na faturação, e o Estado em momento algum me apoiou. Em vez disso, ainda tive que suportar um enorme aumento de impostos.”
João: “Ok, mas repara: a nós congelaram-nos as carreiras, subiram-nos o IRS durante os anos da troika, e aumentaram-nos o número de alunos por turma; ou seja, passámos a trabalhar mais e a receber menos. Achas justo?”
Carlos: “Sinceramente não acho justo. Dou-te alguma razão. Mas ainda assim há uma diferença fundamental entre quem trabalha no Estado e quem trabalha no privado: os primeiros não perdem o emprego, enquanto que, como sabes, muitos trabalhadores do privado perderam o seu emprego durante a crise.”
João: “Pois, mas isso é assim porque, quando “aperta”, os patrões começam logo a despedir pessoas.”
Carlos: “João, desculpa, mas tenho que discordar. Então, mas tu achas mesmo que algum dono de uma empresa, no seu perfeito juízo, gosta de despedir pessoas? Eu não posso falar por todos os outros, mas posso dizer-te que, enquanto empresário, a decisão que mais me custa é ter que despedir alguém. E outros empresários que conheço pensam da mesma maneira. Numa empresa grande, em que não existe relação pessoal entre quem despede e quem é despedido, até pode haver esse distanciamento. Agora numa pequena empresa como a minha, e a de milhares de empresários deste país, as coisas não são assim como pensas.”
João: “Ok, se calhar tens razão nesse aspeto. Mas também sabes que existem muitos empresários que fogem ao fisco, e não pagam os impostos que deviam pagar. Nós, funcionários públicos, pagamos todos os impostos de acordo com a lei.”
Carlos: “É verdade. Existem certamente empresários que não pagam o valor de impostos que deviam. Mas também te digo que, hoje em dia, devem ser uma minoria. Com todo o controlo que existe – faturas certificadas, SAFT’s, cruzamento eletrónico de dados, etc. – estou convencido que o tempo da grande fuga fiscal já passou.”
João: “Não fazia ideia que isso já estava assim tão rigoroso.”
Carlos: “Pois, mas está. Segundo me diz o meu contabilista, Portugal tem um dos sistemas de controlo fiscal mais eficientes do Mundo. Afinal sempre somos bons em alguma coisa!”
João: “Bem, mas ainda assim, somos dos países com mais baixos salários, nomeadamente os dos professores. Temos que continuar a lutar pelos nossos direitos, caso contrário não nos dão nada.”
Carlos: “Acho que fazem bem. Só tenho pena é que os pequenos empresários não sejam ouvidos da mesma maneira pelo poder político. Os vossos sindicatos têm de facto a capacidade de marcar a agenda política. Nesse aspeto, merecem o meu reconhecimento.”
João: “Porventura falta-vos unirem-se, e encontrarem alguém que vos represente e que faça “barulho” junto dos políticos. Sabes o que diz o povo: quem não chora…”
Carlos: “Se calhar é isso. Bem, vamos lá escolher o que almoçamos hoje…”
Qual dos dois tem razão? Ou têm os dois? Fica lançada a discussão…
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