Esta quinta tentativa, pífia, de proclamação da independência da Catalunha (“arrependência”, epíteto sarcástico que surgiu de imediato entre os espanhóis), estava condenada ao fracasso desde logo por tomar como premissa o suposto resultado favorável de um referendo que se sabia ilegal no quadro da constituição espanhola e, consequentemente, no quadro da UE. O Estado de direito não é opcional em comunidades de lei como são a União Europeia e cada um dos seus Estados-membros. Carles Puigdemont e os seus apoiantes sabiam-no bem, até porque a Constituição espanhola de 1978, que inviabiliza estas decisões unilaterais de referendar e proclamar separatismos, foi mais aprovada pelos catalães do que pelos outros espanhóis. Houve então 91,81% de votos “sim” em Espanha e 95,15% na Catalunha.
Esta quinta tentativa de proclamação da independência estava condenada ao fracasso também porque o argumento catalão de que o seu PIB é superior ao de muitos países europeus e que poderia ser ainda mais elevado não fosse Espanha sugar uma boa parte, esvaziou-se logo que os principais bancos e empresas sediados na Catalunha saíram ou ameaçaram sair perante a possibilidade da independência e consequente exclusão do espaço comunitário. Foi pena o dinheiro não ter falado antes do radicalismo a que Puigdemont e Rajoy chegaram, e talvez este quinto impulso soberanista tivesse esfriado e a famosa “seny” se tivesse imposto a tempo. A “arrependência” de 10 de Outubro apenas serviu para lançar a Catalunha, e toda a Espanha, num perfeito estado de confusão e incerteza. No momento em que escrevo parece estar iminente o anúncio de Mariano Rajoy da aplicação do Artigo 155 da Constituição, que permite a intervenção estatal na Generalitat (governo catalão).
Esta vaga de nacionalismos (Kosovo, Transilvânia, Vêneto, Córsega, Escócia, Gales, Flandres, Bretanha, Baviera, Silésia, Morávia, Galiza, Ilhas Baleares, País Basco, Catalunha, etc.) será o resultado de distorções sociais geradas pela globalização, pelas vagas migratórias e pelo distanciamento das criaturas que nos governam a partir de Bruxelas, que não sabemos quem são e eles não fazem a menor ideia do que nós queremos. Uma questão de erro mútuo de percepção, portanto.
Seja como for, nos dias de hoje, não haverá nada mais obsoleto que o espírito nacionalista. A não ser que seja motivado por um qualquer caso de ocupação e exploração colonial — o que não é, de modo nenhum, o caso da Catalunha. Pelo menos metade dos catalães reconhece que o nacionalismo não lhes trará nenhuma vantagem. O isolacionismo nacionalista apenas impedirá a união de esforços para a resolução de problemas comuns. A Catalunha, com o estatuto autonómico que tem tido, tornou-se uma das regiões mais ricas de Espanha. Mas, como se acaba de verificar, tal só é sustentável num quadro de plena integração nacional, federativa ou outra, e comunitária.
Para os catalães, Portugal é visto como uma espécie de precedente, a prova de que Espanha, como comunidade política, é inviável e que nós, em 1640, ter-nos-íamos rebelado porque era supostamente impossível manter aquela situação política. Mas hoje sabe-se que em 1640 não repugnava nada a muitos portugueses continuar na Monarquia Espanhola e que para a maioria das pessoas este assunto era até bastante indiferente. E também se percebe hoje que a Restauração não teria sido possível, pelo menos em 1640, se o conde-duque de Olivares não tivesse decidido enviar a maior parte das forças castelhanas estacionadas em Portugal para ajudar a matar a revolta catalã liderada por Pau Claris, deixando os Braganças relativamente à vontade.
Ora, pesados os factores históricos e sentimentais, como é que Portugal deve olhar hoje para os impulsos soberanistas catalães?
Com pragmatismo, claro:
— De um ponto de vista político, há quem entenda que Portugal se afirmará melhor no contexto peninsular e europeu com uma Espanha subdividida, porque a nossa relação com o país vizinho com a sua dimensão actual será sempre assimétrica. É sabido que qualquer degradação política em Espanha tem consequências imediatas para o nosso país e a partilha do mesmo espaço geográfico acentua a nossa dupla periferia, europeia e peninsular, dificultando a percepção e a diferenciação à escala global que têm de nós os decisores políticos e económicos no mundo. Nas vertentes económica, social, cultural e nas relações transfronteiriças, seriam mais vantajosas e equitativas as ligações entre Portugal e cada uma das autonomias espanholas separadamente. Portugal poderá, desde já, lucrar no sector do turismo com a instabilidade de Espanha. Uma das grandes rivais de Lisboa a este nível é Barcelona, podendo vir a verificar-se uma transferência dos fluxos de turistas para a nossa capital. Estranhamente, o impacto da situação política da Catalunha, que já se verifica na quebra e cancelamento de reservas hoteleiras, é superior à que resultou dos atentados nas Ramblas. E este efeito terá tendência a alastrar a toda a Espanha. Mas em Lisboa tem crescido o clamor de que já há turistas a mais…
— Outros há que consideram que nos planos político, estratégico e diplomático o diálogo deve ser apenas e só com Madrid, e que a interlocução exclusiva com Madrid é a forma mais adequada de proteger os nossos interesses numa relação corrente entre as duas soberanias. A Espanha é o nosso maior parceiro comercial. É para Espanha que vão actualmente 26% das nossas exportações. Ao nível das nossas PME, 44% só exportam para Espanha. Por outro lado, também os maiores grupos nacionais como a EDP, GALP, CTT, Sonae, Ibersol, etc., estão lá presentes, sendo que a EDP Renováveis tem mesmo sede em Espanha. Temos, portanto, demasiada exposição às vicissitudes do mercado espanhol. Se se consumar, a secessão catalã poderá ter um impacto de 20% no PIB espanhol. Segundo os economistas, esta hecatombe estender-se-á inevitavelmente a Portugal.
Os nacionalismos e as religiões têm sido a maldição da humanidade. À vez ou combinados, têm sido a origem e o motor das maiores desgraças da História. E é assim porque dá-se continuamente o paradoxo de serem precisamente os dirigentes políticos quem mais ignora as lições da História.
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