Exposições marcam o início do Folio
Esta edição do Folio, que começou na passada quinta-feira, em dia de luto nacional (devido aos incêndios) e que decorre até ao final do mês, transformando a vila literária numa gigantesca festa do livro, “abriu sem festa”, apenas com um “périplo pela Vila Literária”.
Concentrados em frente ao Museu Abílio de Matos e Silva, a diretora do Festival Literário Internacional de Óbidos, Celeste Afonso, recordou os “incêndios que houve nos últimos dias e meses em Portugal”, facto que levou a organização a não realizar uma inauguração formal do Folio e a optar por uma sessão “mais humilde e sentida, abrindo os nossos espaços com a presença dos curadores ou dos responsáveis”. Esta viagem literária começou assim com a visita pela exposição do artista plástico moçambicano e responsável pela maior exposição do certame, Gonçalo Mabunda.
Intitulada “O aceitador do Medo”, a mostra, que vai ficar exposta no museu até ao final do ano, conta com 32 esculturas feitas com material bélico desativado e despojos da guerra civil de Moçambique, espalhados pelos dois andares do edifício.
Para o artista plástico, que já expôs a sua obra em diversos espaços, “tem tudo a ver com o momento penoso que se vive no país”, em que “a população faz como um aceitador do medo: ou fugir ou enfrentar”.
Com títulos “muito controversos”, as peças e máscaras são aquilo que “eu estou a pensar e o que eu acho” sobre os símbolos do poder em África, tornando-se uma tendência interventiva e crítica. Nesse sentido, o autor deverá criar uma escultura inédita na vila, com livros, cujo destino seria a guilhotina.
Ainda dentro da vila literária, o arranque do Folio ficou marcado pela passagem da comitiva pela exposição “Memórias da Liberdade”, em parceria com o Centro Cultural de Belém (CCB). Constituída por trinta obras selecionadas da coleção “Mémoire de la Liberté, do acervo da Fundação CCB, e concebida para salvaguardar e promover a Declaração Universal dos Direitos Humanos, “está organizada de forma a realçar a grande diversidade de movimentos e estilos artísticos representados na coleção”, disse o curador da exposição, António de Campos Rosado, que fez uma visita guiada pelas obras. Seguiu-se para a Galeria do Pelourinho, para conhecer o vasto programa que atravessará todo o Folio, dedicado aos 650 anos da morte de D. Pedro I.
No primeiro piso encontramos uma exposição bibliográfica, intitulada Inês Total, uma exposição de pintura e desenho de Nélia Caixinha sobre Pedro e Inês, ”uma pequena amostra dos pedacinhos que fui recolhendo desta história”, com obras de 1993 a 2017, uma exposição de escultura e joalharia de José Aurélio, que traduzem “o que sinto do amor de Pedro e Inês”, e uma instalação da autoria do Coletivo Revolta das Agulhas, “O Estendal do Paço”, sobre os filhos de Pedro e Inês de Castro, com mais de trezentos livros. Organizada pela Associação Amigos de D. Pedro e D. Inês, juntamente com outras entidades, ao longo dos onze dias tem conferências, mesas redondas e entre outros eventos.
Exposição “Nascimento de uma Democracia”
Ao contrário das edições anteriores, sem o recurso a tendas, o Folio desenvolve-se pela primeira vez fora das muralhas da vila, ocupando o antigo quartel dos bombeiros e os armazéns da ex-EPAC, com a Praça da Criatividade. Dentro desse espaço podemos encontrar uma feira do livro, com mais de mil títulos, e ainda um auditório, onde decorre grande parte das mesas de autor, que tem as suas paredes cobertas por uma coleção cartazes dedicados ao 25 de Abril.
Intitulada “Nascimento de uma Democracia”, a mostra é organizada pelo historiador José Pacheco Pereira em parceria com a Assembleia da República, e tem como objetivo conhecer “o nascimento de uma democracia, olhando para a história sem distinguir os movimentos bons e maus”. Com diversos slogans como o “Socialismo está em construção, visitem o andar modelo”, os cartazes tiveram um “enorme sucesso entre os visitantes”.
Os cartazes expostos nas paredes, a maioria provenientes do arquivo pessoal de Pacheco Pereira, são de 1974-76 e abrangem todos os espetros políticos. Pacheco Pereira indicou que a exposição “dá uma ideia da propaganda politica, nos primeiros anos após o 25 de Abril”.
O historiador também marcou presença no espaço da editora tinta da China, que este ano está instalada dentro da vila, com o lançamento do livro A Revolução Russa, de Sheila Fitzpatrick. Ainda nessa noite, houve o primeiro concerto do festival, com uma homenagem a José Afonso, num espetáculo de Júlio Pereira.
Selo alusivo a Óbidos Cidade Criativa da Unesco
O arranque do Folio ficou marcado pelo lançamento do selo alusivo a Óbidos, que é o primeiro de uma coleção que os CTT dedicam a propósito da rede de Cidades Criativas da UNESCO. No caso de Óbidos devido ao campo da literatura, e no caso de Idanha-a-Nova, que também faz parte desta rede, pela música.
O selo, que tem o valor de 0,85€ e uma tiragem de 105 000 exemplares, foi carimbado pela diretora do certame Celeste Afonso, e ainda pelos vereadores da Câmara Municipal de Óbidos e de Idanha-a-Nova.
Esta classificação da UNESCO é um reconhecimento e um estímulo que pretendem reforçar a estratégia de desenvolvimento destas áreas, estimular a criação de riqueza e emprego e contribuir para a fixação e captação de pessoas nas localidades classificadas.
Com esta emissão, os CTT prosseguem os objetivos de divulgação da riqueza da herança cultural, social e arquitetónica portuguesa, fixando-a em selos.
Exposição PIM
A ilustração voltou ao Folio com a terceira edição da exposição PIM – Mostra de Ilustração para Imaginar o Mundo, com curadoria de Mafalda Milhões que virou a “casa de pernas para o ar, como as revoluções fazem”.
A inauguração foi no sábado e encheu a Galeria Nova Ogiva, surpreendendo o público numa casa onde “moram as palavras, pontuadas e pensadas para imaginar”.
Este ano a PIM incluiu uma homenagem à autora portuguesa Manuela Bacelar, uma das referências da ilustração para a infância, que não pôde estar presente por motivos de saúde. Mafalda Milhões mostrou o carinho e a admiração que tem pela ilustradora.
Para Celeste Afonso, “a PIM é já uma identidade muito própria e uma parte integrante do Festival”.
A mostra contou com a participação de 21 autores. Gémeo Luís, Rachel Caiano, Ana Biscaia, Catarina Sobral, Marta Madureira, André da Loba, Sérgio Godinho, entre outros, mostram a faceta de ilustradores.
E foi também na inauguração da PIM que Silvestre Lacerda, da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, entregou o Prémio Nacional de Ilustração a Fátima Afonso pelas ilustrações do livro “Sonho com asas”, um trabalho que partiu de um desenho oferecido a uma amiga.
Silvestre Lacerda entregou ainda duas menções especiais. Uma a Catarina Sobral, autora das ilustrações do livro “Tão tão grande”, publicado pela Orfeu Negro. Outra à dupla Tiago e Nádia Albuquerque, pelo livro “Sou o lince-ibérico: o felino mais ameaçado do mundo”, com texto de Maria João Freitas e publicado pela Imprensa Nacional Casa da Moeda.
O Prémio Nacional de Ilustração vai na 21.ª edição e tem como objetivo reconhecer e incentivar o trabalho de artistas portugueses ou residentes em Portugal no domínio da ilustração. Desde 2016 a entrega do galardão passou a ser feita em Óbidos, na inauguração da PIM.
Ricardo Araújo Pereira e o autor brasileiro António Prata
No sábado houve uma sessão de autógrafos com Ricardo Araújo Pereira, que irá editar em breve um novo livro. “Reacionário com dois cês — Rabugices sobre os novos puritanos e outros agelastas”, que chega às livrarias a 10 de novembro, mas que está à venda em Óbidos durante o Folio.
No mesmo dia, a editora tinta da China levou dois prestigiados autores, um deles o brasileiro António Prata, considerado o melhor cronista da sua geração, à conversa com Ricardo Araújo Pereira, que esteve presente para apresentar o livro “Nú de Botas” do escritor brasileiro. Mas a conversa também não perdeu de vista palavras sobre o outro livro de António Prata, “Meio intelectuais, meio de esquerda”, obra de crónicas editada também na tinta da China. Para Ricardo Araújo Pereira, “ambos os livros revelam uma pessoa que apesar de ter óculos tão grossos vê tão melhor que nós. “O olhar de António Prata é milagroso, a maneira como ele olha para as coisas, a minúcia como ele o faz revela coisas no mundo pelas quais nós passámos e não vimos e devíamos ter visto”, apontou, considerando que “olha como uma criança e escreve como um velho e isso é excelente, porque ele é o olhar de uma criança com os instrumentos de um velho”.
“A estratégia de marketing da da tinta da China é fantástica, porque fez um evento com Ricardo Araújo Pereira que junta 200 pessoas para o verem e não o desconhecido brasileiro”, disse o autor em tom de brincadeira, revelando ser fã do humorista português que também escreve para crónicas para a “Folha” no Brasil e que não só está a descobrir o comediante como está a descobrir este país, porque “o Brasil ficou muito tempo de costas para Portugal”.
António Prata, filho do escritor brasileiro Mário Prata, esteve presente na sala.
Entre risos e boa disposição a conversa fluiu sem que a plateia desse pelo tempo passar.
Ricardo Araújo Pereira volta no próximo sábado, às 17h30, para mais uma sessão de autógrafos. Às 19h00, no auditório da Praça da Criatividade, estará à conversa com Gregório Duvivier, um ator, humorista, roteirista e escritor brasileiro. O título da conversa é “Um Português e um Brasileiro entram num bar”, programação da editora tinta da China.
Ministro da Cultura em Óbidos
Domingo foi o dia de Gonçalo M. Tavares explicar as artes do corpo ou a sua relação com o poder, num curso de literatura, artes e cultura contemporânea, em que falou de revolução tecnológica, poder e política.
Mas no Folio houve outros poderes. O ministro da Cultura veio até Óbidos homenagear Armando da Silva Carvalho.
Desafiado pela coordenadora do festival para contribuir com os seus conhecimentos sobre a vida e obra do poeta para um “movimento que dê a conhecer a importância cultural” daquele autor, o governante disse que “até 2018 será criado em Óbidos um espaço dedicado a Armando Silva Carvalho.
“Desde muito jovem que acompanhei o percurso poético de Armando Silva Carvalho, um poeta importante que se inscreve na tradição lírica, corroendo-a”, afirmou o ministro da Cultura durante a homenagem ao poeta natural de Óbidos, integrada na programação do Folio.
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