“Reformistas, caciques e dinossauros são figuras que nos mostram três fases da estruturação do poder local em Portugal”, afirmou o membro fundador da Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC), que alertou que é altura dos “cidadãos com ruído e discordância fazer ouvir a sua voz, cabe-nos fazer o concelho e a cidade que queremos viver. Nestas eleições votem em função disso”.
Os “caciques” correspondem à herança do poder no regime da ditadura e a algum “dinamismo desordenado da estruturação do poder logo a seguir ao 25 de Abril”, em que as autarquias foram protagonizadas pelos mesmos que tinham algumas funções no poder local, mantendo-se como os ”caciques locais”. Também houve os empreendedores políticos, que “faziam oposição na clandestinidade, e que acabaram por ter um papel importante no desenvolvimento do poder local”.
Segundo João Paulo Batalha, “havia alguma noção de potencialidades e vontade de experimentar formas de governo, o que foi útil”, pois desenvolveu-se a infraestruturação de território, saneamento, resolução de problemas habitacionais e sobretudo, ”a base para construir qualidade de vida no território”.
“Um presidente de câmara põe e dispõe de poder dentro do município, o que fazia sentido nessa fase em que havia poucos quadros técnicos para assegurar as tomadas de decisões”, explicou o responsável.
A segunda fase foi “menos positiva”, em que “os empreendedores se consolidam no poder”, dando oportunidade aos negócios escuros e à corrupção, e transformando os “empreendedores políticos em dinossauros”. Além disso, geraram-se “vícios no poder local e redes de cumplicidade”.
Em Portugal, “não há meteorito que seja capaz de extinguir a espécie”. Segundo o presidente da TIAC, ”a fragilidade das instituições permitiu que tivéssemos estes dinossauros, com acesso aos empregos e apoios sociais, que “acabam por ser distribuídos muitas vezes com base em critérios de amiguismo político, o que acabou por degradar a qualidade das democracias locais”.
Nesta fase, as câmaras tornaram-se “mecanismos para a criação do monopólio dos autarcas e dos partidos”, desperdiçando a oportunidade de “construir democracia”.
“As fragilidades deste poder democrático manco, que nós criámos, verificam-se a nível local e nacional”, frisou João Paulo Batalha, acrescentando que “estes dinossauros corruptos estruturam o nosso poder autárquico e usam a câmara como um centro de negócios, onde falta dinamismo social. Isto é hoje um mal nacional”.
A falta de dinamismo político é uma “falência enorme dos partidos”, bem como a “comodidade dos partidos, em não precisarem de formar quadros, nem de falar com os eleitores, bastando trabalhar e falar com os seus clientes”, aliás, as “pessoas que gravitam em torno do partido à procura de cargos ou subsídios”.
Para o convidado, “temos hoje uma democracia onde a massa de cidadãos está cada vez mais alienada e menos confiança nestas estruturas, e para ganhar as eleições basta chamar às urnas este núcleo de apoiantes”. Além disso, os políticos fazem “teatro” junto dos bairros sociais, tornando-se “cenário de campanha eleitoral e personagens em teatro político. Isso é uma demissão da sociedade civil”.
Na última fase verifica-se uma “falência deste modelo de desenvolvimento”, onde surgiram militantes que “vieram refrescar o momento autárquico, abrindo-se uma janela para as pessoas terem uma participação e algumas delas conseguiram ser eleitas”. Esse momento deve-se à Lei de Limitação de mandatos, que segundo o convidado, tem “algumas falhas” e permitiu que “alguns desses dinossauros estejam a ressuscitar este ano”.
Aliás, relembrou que “os movimentos ou candidaturas independentes organizaram-se para se candidatarem às autarquias, porque sentem uma asfixia democrática e uma urgência em mudar isso”.
Para o responsável, “nestas eleições temos que decidir se queremos espremer até à última gota esta democracia clientelar, e ouvir as pessoas para saber quais são os problemas das populações, prioridades e potencialidades que temos de desenvolver, e planear o futuro de uma região em conjunto”.
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